Há meses uma dor me atravessa o peito.
Parece um golpe de fogo
Espada flamejante de anjos
Armagedom de ossos e sepulturas.
Há meses uma dor me esquarteja
E suja de sangue toda a cidade
As pessoas em seus carros blindados
Putas
Pequenos mundos jogados na água
Imunda água que não nos lava.
Há meses uma dor me violenta.
Vampiros de longas caudas me sugam
Morcegos usando ternos
Feitos sob encomenda
Comprados na Oscar Freire.
Há meses, senhores, há meses
Uma doença me consome
Câncer, peste, olhares mórbidos
Bichas esqueléticas que me encaram
E me mostram a língua.
(Mas sonhei com uma estrada
Eu no meu carro, o vento de uma cidade
Deserta e seu saloon desfigurado,
O mocinho e seu revolver matando o bandido.
Não havia pedágios nem guardas
Loiras desnudas caminhavam
Oferecidas e vagabundas.
Lentas vacas pastavam, dando leite e mel
Como a antiga terra prometida.
Cafés limpos, miraculosamente limpos
Enfeitavam a estrada, os postes hirtos
Não eram sujos,
Não havia buracos
Nem mendigos.
Não havia percevejos nem piolhos
Não havia homens maus, nem vexames.
Apenas a estrada infinita
Eu e o tempo, a velocidade das horas
Flores mortas e murchas
Cidadezinhas minúsculas e aconchegantes,
E as vicinais marcando o verde
Como veias amarelas
Levando o sangue das fazendas).
Havia a quase mortal parada das frutas
O velhinho desdentado cavoucando a terra
Uma criança vendendo doces no meio-fio
E sempre, sempre havia o futuro
Em minhas mãos
Solenemente abertas
Em direção ao sol.
Um comentário:
Sem palavras...texto inspiradíssimo e inspirador!
Abraço!
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