sexta-feira, dezembro 01, 2006
Outsider
Quinta. Acordo com dores, olheiras, desenhos inúteis nas mãos de poeta, sem luz na janela, o dia já cheirando a mofo. Dia após dia construo o homem dentro de camadas de gelo, às vezes deteriorado, às vezes tendo no rosto um sorriso cínico de quem já não tem mais fé. Bebo quantidades enormes de água. Talvez me limpe, talvez meu coração fique alvo como a neve que nunca vi, talvez fique singularmente triste, talvez fique pesado como calhamaços de poemas infelizes. Tenho pouca fé, homem que escorrega e não tem uma escada qualquer, nem corrimão que ampare. Talvez seja tudo um jogo, talvez as cartas todas sejam um blefe, tese conceitual leibniziana com gosto de Bourbon. Coisas se arrastam, tateio, luto, persisto. O dia insiste em me levar, insiste, ó deus, em me fazer levantar e abrir as persianas. (Jean-Luc Ponty em cada unidade do meu ser o som eletrônico, o cd já arranhado de tanto tocar). O terno me espera, a gravata. Cedo partirei, e as ruas serão mapas sem significado nenhum, apenas garatujas de um escritor louco escrevendo sobre a cidade. Minha única chance sou eu mesmo. A ânsia de viver é mais forte que a textura ínfima da luz. De vez em quando rio, sem saber exatamente o porquê. Mas rio assim mesmo, dos mendigos, dos carros, trânsito violento das notícias apavorantes que me dizem menos cada vez menos, cada vez menos. Além de mim o vasto mar de prédios, brancas estruturas de aço, lâminas, flechas fincadas sobre o solo de Deus. Ferido, continuo; ferido, mantenho os olhos fixos nas janelas da vida na mulher, na criança de rua, suja e desesperada. Como a vida. Meu pai, qual é a solução desse enigma?
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