segunda-feira, novembro 27, 2006

Se tudo viesse da parede azul

Se tudo viesse da parede azul, o olhar ansioso de espera, a sombra do guarda-chuva, se tudo como um corpo celeste, se tudo vento espaço vida tempo, viesse da parede azul que eu vejo ali perto pichada de negro agressivamente, se tudo Meu Deus Se tudo, a mulher a vagina a viúva gina, a elasticidade natural da coisa, viesse da parede azul que um dia nasceu das entranhas de um homem, se tudo viesse, quem sabe não seria melhor que isto, este vazio enorme, esta pergunta enorme? Se tudo viesse da parede azul (É proibido colar cartazes!) eu seria outro, profundo abismo queimando o eterno dos teus olhos.

O resto já não importa

O resto já não importa, as tendas do amor foram desarmadas. Cansamo-nos, entre as moitas e as tâmaras, cansamo-nos, e a canção vespertina transformou-se em sombra pela última vez que no alto sol, discos vermelhos despertaram as horas. Além, o corpo aberto escorrendo pela grama. Não há mais marchas, não há estradas, nem lamentos há, mas abraços noturnos anseiam por braços e pernas, ordens dadas por cortinas e âmbar. Através delas cambaleamos, um dentro do outro, em toda superfície com as falhas do arroz não colhido. Amanheçemos já. Esvaziados. Queimados. Triunfo do suor sobre a carne. Este ponto significa vida e morte, a rigidez do vale. Não há apoio nem montaria. Desespero.

quarta-feira, novembro 22, 2006

A morte de Tia Irene

Naquela tarde, as crianças estavam especialmente inquietas. Pareciam estar ligadas numa tomada de 220 volts, pulando, cantando, dando tabefes uns nos outros. Tia Irene se sentiu mal, tentou segurar-se em alguma coisa, mas não havia nada que a sustentasse e desabou ao lado do monte de areia deixado pelo pessoal que fazia uma reforma na escolinha. A princípio ninguém percebeu. Os tabefes continuavam a torto e a direito, a gritaria era infernal, por isso, seu desmaio não foi notado de imediato. Um dos garotos, de mais ou menos cinco anos, foi quem notou que Tia Irene estava caída atrás do monte de areia e logo chamou os amiguinhos. Estes, ansiosos por novidades, pararam de esbofetear-se e foram ver o que tinha acontecido com a professora. Um deles, surpreso que a Tia Irene estava caída e não se mexia, falou aos amigos: - Será que ela morreu? Os outros, agrupados em volta, não sabiam o que dizer. Um ruivinho, mais atrevido, começou a chamar a professora pelo nome, mas a coitada estava sem condições de responder. - Bem, minha avó morreu há uns dias atrás e nós enterramos ela. Logo estavam todos, mais ou menos uns vinte e cinco alunos, jogando terra sobre o corpo de Tia Irene. Seu cabelo pintado de louro logo se tornou avermelhado pela terra jogada. Alguns até apareceram com pazinhas, de modo que, em minutos, a professora Irene, com mais de vinte anos de profissão, já contando ansiosamente os anos que faltavam para a aposentadoria, foi enterrada viva por seus alunos.

Meia hora depois, a merendeira percebeu um aluno ao seu lado, dentro da cozinha. - Enterramos a Tia Irene! - Deixa de maluquice menino. E quem te deu ordem de entrar aqui na cozinha? - Ela morreu e nós a enterramos. - Pelamordedeus, garoto. Volta pro parquinho. Já estou me irritando. Daqui a dez minutos é o horário da merenda e ainda não terminei. A Tia Irene deve estar te procurando. - Nós enterramos ela! - Cai fora garoto. O menino saiu correndo para junto dos seus coleguinhas com a vitalidade de seus quatro ou cinco anos, já pensando no lanche que tomaria daí a pouco. - Essa criançada – comentou irritada a merendeira - Por pouco não matam a gente de susto entrando aqui desse jeito.

A Diretora estava inquieta. As crianças que estavam no parquinho, brincando, faziam uma algazarra terrível. Estranhou que a Professora Irene, costumeiramente firme com a criançada, estivesse dando espaço para aquele barulho todo. Arquivou mentalmente a informação. Precisava chamar a atenção da Professora no final do período. O vigia diurno, postado junto ao portão da Escola, olhou em direção ao parquinho. Não viu a Professora. Viu apenas um bando de monstrinhos se esbofeteando. O que será que estava acontecendo? perguntou-se.

A merendeira aguardou a Professora Irene, mas esta não apareceu com seus alunos. Chamou o vigia e pediu-lhe que fosse chamar a Professora Irene e seus alunos no parque, pois já passava da hora da merenda. Ao chegar no parque o vigia ficou surpreso ao perceber que as crianças estavam sozinhas, brincando, completamente à vontade. Onde estaria a Professora? Perguntou-se a si mesmo. Foi até Diretoria e informou a ausência da Professora. A Diretora dirigiu-se ao parque e notou, abismada, que realmente a professora não estava à vista. Perguntou a um aluno: - Onde está a Professora? O aluno respondeu. - Ela morreu. - Como assim, morreu? - Ela morreu e nós enterramos. - Não estou entendendo esta história. O aluninho correu até o monte de areia e disse: - Nós enterramos ela aqui. A Diretora caminhou até o monte e percebeu que a terra havia sido revolvida recentemente. Desesperada, a Diretora chamou o vigia e pediu que ele retirasse a terra e qual foi a surpresa de ambos quando descobriram, soterrada por uma grossa camada de areia, a Professora Irene, desmaiada, sufocada por aquele volume imenso de terra. Tinha areia nas narinas, nos cabelos, nos ouvidos, e sua palidez era de um cadáver. Os alunos pararam suas brincadeiras, enquanto a Professora era levada pelo Resgate, entre a vida e a morte, ao hospital mais próximo. Era um fato interessante, a ambulância, os homens vestidos de branco, mas foi por instantes, pois logo estavam brincando alegremente.

Carta de Alexandre, filho de Felipe da Macedônia a Dario, Rei dos Persas

1. Teu reino é imenso e rico e servirá de escabelo para meus pés.
Teus campos servirão de pasto para meus cavalos após o suor da batalha
Tua rainha, beleza declamada em versos, conhecerá o vigor de um macho macedônio.
Teus filhos, belos mancebos, serão bons servidores, aprenderão a arrumar e a limpar minha tenda.
Teus exércitos serão varridos da face da terra e alimentarão as aves do céu
E do Oriente ao Ocidente, debaixo do sol meridional
Saberás que Alexandre da Macedônia será senhor do vosso destino.

RESPOSTA DE DARIO, REI DOS PERSAS AO INVASOR MACEDÔNIO
2. Cantas de galo, mas és apenas um pintinho saído do ovo.
Meu sangue é nobre, guerreiro saído de boa fornalha
Gerado que fui pela Dinastia dos Aquemênidas.
Ganharás uma lição como teu pai nunca te deu, jovem arrogante
E sentirás meu golpe em tuas espáduas preguiçosas
Acostumadas a boa vida e seio de mulheres.
Pagarás tuas bravatas com o sangue de tuas veias
Te farei comer areia, cegarei teus olhos,
Te ensinarei obediência e humildade
E serás bom aprendiz, tenho certeza
Ou não me chamo Dario, Rei dos Persas, Senhor do Mundo.

RÉPLICA DE ALEXANDRE, O MACEDÔNIO

3. Dario é para mim apenas um nome, nada mais
E um nome se despedaça, se lacera, se extingue
Farei tua sepultura entre as pedras após açoitá-lo com couro cru
Tuas princesas servirão de éguas para meus afoitos soldados
Farei meu cavalo Bucéfalo pastar no jardim do teu palácio
Te mostrarei que a Macedônia é berço de deuses
E verás que um descendente de Aquiles não refuga
A tua descendência desaparecerá no rio do tempo
E sentirás o peso do meu braço, o aço frio de minha espada.

MENSAGEM DE DARIO, DESCENDENTE DOS DEUSES A ALEXANDRE, O MACEDÔNIO

4. Cruza o Eufrates, traga tuas hordas de bufões!
E verás que o meu nome não será chamado em vão.
Cruza o rio, avança pelos campos, ó tagarela!
Sobe as montanhas e te preparas para a eternidade.
Saberás que Dario não é apenas um nome como qualquer outro
A flecha da batalha foi lançada e leva meu brasão
Ela tem rumo, vosso coração de falador e rufião
Enfiarás o rabo entre as pernas e te farei em pedaços
Pois antes de ti outros faladores jogaram palavras ao vento
Mas eu Dario, Senhor do Mundo, Rei dos Reis
Os trucidei a todos e alimentei matilhas com suas carnes tremulas.

(No Ano de 333 A.C, o exército de Dario III, Rei dos Persas foi trucidado pelas hostes de Alexandre, o Macedônio que cheio de ímpeto, atravessou o rio Eufrates, feriu, matou e mutilou milhares de homens, entrando para a Historia como Alexandre, o Grande. Morreu aos trinta e três anos de causa não esclarecida)

A palavra, essa maravilha!

Desde muito jovem, acredito que logo após aprender a ler, tomei um gosto especial pelas palavras. Havia nelas um mistério, um som diferente, que a maioria das pessoas talvez não percebessem, mas que eu, ainda criança, já notava. Depois, já adulto e tendo acesso a livros e outros tipos de literatura, tomei conhecimento de uma estranha classe de homens: os filólogos. Esta palavra estranha, dificilmente usada, é a profissão dos homens que praticam a Filologia, que o dicionário do Senhor Aurélio diz ser o “estudo da língua em toda a sua amplitude, e dos documentos escritos que servem para documentá-la”.

Na adolescência confundi um pouquinho filologia com filoginia, que o mesmo dicionário diz ser “o amor às mulheres”. Pois bem. Durante esta caminhada, curiosidade aqui, curiosidade ali, acabei descobrindo que certas palavras mudaram completamente de sentido, do seu significado original. Outras, sendo palavras de boa estirpe, passaram a ser palavras de baixo calão, o que não é boa coisa, em se tratando de língua portuguesa. Vamos ver alguns exemplos de palavras que mudaram de significado:

RIVAL: o sentido original desta palavra é simplesmente para designar habitantes de margens opostas de um rio. Como eram freqüentes as discussões e contendas entre os moradores das margens, o vocábulo “rival” passou a significar contendor.

SALÁRIO: era a quantidade de sal que se dava como pagamento aos trabalhadores. Depois ficou sendo o soldo dados às tropas para comprar sal. Modernamente, salário passou a significar ordenado.

QUARTO: esta palavra era usada para determinar a quarta parte. Hoje, as casa tem dois quartos, três quartos e outros cômodos maiores, como a sala, por exemplo.

ESCRÚPULO: Origina-se do latim “scrupulum”, pedrinha usada para pesar a vigésima quarta parte da onça. Passou a significar a honestidade do negociante que não queria causar ao cliente prejuízo no peso da mercadoria, generalizando-se depois o sentido.

LENÇOL: Por incrível que pareça, lençol vem do latim “linteolu” e é o diminutivo de lenço.

LÔGRO: provém do latim “lucrum”, que nos deu também “lucro”. Perverteu-se o sentido do vocábulo e “logro” passou a significar engano. Outras palavras simplesmente se melhoraram, assim como algumas se degradaram através do tempo. Vejamos alguns exemplos:

MARECHAL: etimologicamente significa “o tratador de cavalos”. Entretanto, o seu sentido se enobreceu e o vocábulo indica hoje o mais alto posto do exército.

CUECAS: esta peça de vestuário protege justamente a parte inicial da palavra. Também tem a mesma origem a palavra “cueiros”. Outra palavra que se origina daí é a palavra “culatra”, ou seja, a parte traseira do canhão, ou do revolver.

Uma palavra que teve seu significado totalmente degenerado é a palavra PUTA, que na sua origem latina (PUER=CRIANÇA), significava donzela e hoje mudou seu significado para mulher devassa. Uma das palavras mais interessantes, na minha opinião, é “CAVANHAQUE”. Eis a explicação de sua origem: é um aportuguesamento da palavra francesa “cavaignac”, originária de um substantivo próprio. O general Batiste Cavaignac, nascido em Gourdon em 1762 e morto em 1829, deixou dois filhos: Godofrey e Louis Eugène Cavaignac. O segundo, que foi candidato à presidência da Republica Francesa em oposição a Luis Napoleão, usava a barba cortada de um modo especial, pessoal, e acabou criando seu estilo, o estilo cavaignac.

Outras palavras bem interessantes na minha opinião, são aquelas que dão nome às plantas. Vejam só:

BEGÔNIA: A palavra begônia foi criada para designar uma planta originária da América, pelo botânico Plumier (1646-1706), em honra de Begon, governador da ilha de São Domingos. A homenagem lhe foi feita, em razão dele ser um grande protetor dos naturalistas tendo o termo se vulgarizado no século XIX.

MAGNÓLIA: É uma criação do botânico sueco Carlos Linneu. O vocábulo foi formado em homenagem ao botânico e médico francês Pedro Magnol (1633-1715), para indicar uma planta originária também da América. Um termo que me chamou a atenção durante muito tempo foi “S.O.S”. Acredito que a maioria das pessoas não conheça o significado desta sigla, mundialmente conhecida como um pedido de socorro. Significa “Save Our Soul”, ou seja, “Salve Nossa Alma”, apesar do pedido ser para salvar o corpo. Enfim... _____________________________________________________________ Bibliografia: “A Evolução das Palavras”. Autor: A. Tenório Albuquerque Editora Getulio Costa – Rio de Janeiro – 1944.

segunda-feira, novembro 20, 2006

A claridade

A claridade do sonho
Desfaz-se na tarde
Ironia do ocidente.

Na claridade sobrevive
Deus,
Ponta de cores
Assombrosos partos.

Densa
A claridade vaza
Reinos quânticos
Príncipes.

Flores:
Claridade somos
Porão sombrio
Onde Deus não planta.

(Do livro "Soldado à beira da fuga", Editora Alaúde, 2005)

quinta-feira, novembro 09, 2006

O pior dia na vida de um homem

Naquele dia o Dr. Fraga havia trabalhado como um burro. Fez canal, obturou, tratou de infecções. Destruiu dentes e refez dentes, como é normal de qualquer dentista. Lá pelas 4 da tarde, extenuado, resolveu dar uma espairecida já que não tinha mais clientes agendados. Quando esta
va trancando a porta do consultório, apareceu D. Beijinho na boca, cheiro bom de morena asseada, peitinhos empinados. Que tal sair e dar uma? Bem, o Fraga achou boa a idéia. Já vinha saindo com D. a pelo menos uns 3 meses e conhecia a performance da moça na cama.Abriu novamente a porta do consultório, pegou a chave e os documentos do carro e partiu para o abate, ali perto mesmo, num motelzinho já familiar. Voltou 2 horas depois, mais extenuado ainda, mas satisfeito. Nada como um fight vespertino para tirar o stress. Qual foi sua surpresa quando chegou ao consultório e encontrou R. A estória de R era antiga. Podia se considerar a “oficial”. Bela moça, loira, perfume sedutor, voz rouquinha, tinha por hábito ter crises de choro quando gozava. Nas primeiras vezes, ele, preocupado, perguntou se a estava machucando, etc. Ela respondeu chorando que não, mas tinha esse defeito, chorava na hora do gozo. Pois bem. Ela queria sair. Ele declinou. Alegou cansaço, tinha trabalhado como um louco o dia inteiro, sabe como é, né. Ela insistiu. Ele já não a amava mais, o desejo havia acabado, por que não era franco e terminava tudo? Ela sofreria mas entenderia, afinal. Fraga acabou cedendo. Estava com a consciência doendo, afinal, não era justo negar a R., a mais antiga, o que havia dado a D. de forma tão fácil. Pois bem. Nem abriu a porta do consultório. Desceu as escadas, preocupado com a batalha que se aproximava.A moça do motelzinho se surpreendeu quando o viu entrar com outra mulher, pois ele tinha acabado de sair dali. Enquanto tomava o banho, Fraga sentia calafrios. O pique estava meio fraco, ia ser uma batalha dificil para a moral levantar. Mas a moça, acreditando que a causa do desanimo era meramente laboriosa, concentrou-se, usou a oralidade da língua portuguesa de forma brilhante e liquida, tinha mãos de fada e orifícios poderosos, o que animou o Dr. Fraga. Finalmente, o ilustre dentista cumpriu com sua obrigação, naquele fim de tarde, começo de noite, mês de abril. Não teve destaque nem repeteco. Ele sentia que se tentasse, enfartaria ali mesmo tamanho era o esgotamento.Deixou-a em casa ali pelas 11 e rumou para casa. Sua mulher já estava habituada com suas sextas-feiras. Desde os tempos de namorado que ele havia avisado: “Não me espere cedo pois sexta é o meu dia”. Dia em que ele saía com os amigos, tomava uma cervejinha, relaxava, afirmava. Guardou o carro, abriu a porta e foi assaltado por uma forma que o enrodilhou carinhosamente, beijando, murmurando palavras de amor e sedução. Olhando melhor, reconheceu sua esposa, vestida numa roupinha sedutora, com claras intenções de sexo. Suou frio. Percebeu que existem alguns dias perigosos e mortais.