domingo, março 18, 2018

O POÇO



Poucos, bem poucos, me conhecem. Piedade no corpo, primeiros sons do dia. A luz da lua na superfície rasa da água, O diluído, o copo, a lousa ainda escrita. Enlaço da cintura, o poço sem fundo, O que é grave e mórbido, o tempo, O lembrado e esquecido, a cura.

Poucos, bem poucos, me conhecem. Nota em sol, em lá, em si, bemol. O cântico infectado pela voz timbrosa de uma imagem na tarde.

A PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA

Numa de minhas visitas a Andradina, saindo de uma loja de roupas na Rua Alexandre Salomão, escutei alguém chamar:
- Mayumi!
Olhei para os lados, tentando achar a Mayumi. Será que era minha antiga professora de Lingua Portuguesa no Onze de Julho, na Vila Mineira?
Vi a poucos metros, uma japonesinha magrinha, cabelos brancos, com um chapeuzinho na cabeça. Ela respondeu ao chamado, beijou a mocinha que se aproximou dela e seguiu seu caminho. A reconheci imediatamente. Era minha antiga professora.
Mayumi sempre foi excelente professora. Indicava livros, indicava autores clássicos, nos mostrou mundos e obras fantásticas, fazia discussões em sala de aula, criava grupos de coral em várias vozes para declamar João Cabral de Melo Neto. Era dinâmica e inteligente.
Mas teve vários problemas administrativos. Foi acusada algumas vezes de “sedução de menores”. Diziam que ela, além de lecionar em sala de aula, também dava “aulas extras” para os alunos em estradas ermas, matagais, dentro do seu fusca bege, na beira de rios e lagos, e não eram exatamente aulas de língua portuguesa, ou talvez de outras línguas, que os jovenzinhos apreciavam muito, para alegria dos alunos e dos pais. Já as mães, pelo jeito, não simpatizavam com estas tais aulas e várias foram reclamar na Delegacia de Ensino de Andradina. Nunca nada foi provado. Os alunos sempre negavam estas tais "aulas" bucólicas e solitárias.
Mayumi respondeu a todas as acusações negando tais atos. E conseguiu se aposentar como professora. Olhando aquela velhinha - na época eu tinha 14 anos, ela devia ter uns 29, 30 anos -, me lembrei daquela época, eu rapazinho, pensando em filmes e livros, andando pelas ruas poeirentas de Andradina. Me lembro bem porque foi em 1977 que eu e minha família voltamos para Andradina e consegui, a muito custo, uma vaga noturna no Onze de Julho.
Vi a japonesinha andando à distância, cabelos curtos (ela usava compridos na época), seu chapeuzinho na cabeça, blusa florida e calça clara, subindo a Rua Alexandre Salomão sentido Rodoviária. Acho que ela sempre morou por ali.Será que ainda usava o seu famoso perfume de alfazema, comentado pelos de olfato mais apurado?
Muita gente se admira do meu português, que escrevo razoavelmente bem, e do meu gosto por livros, etc.
E eu sorrio.
Tive uma excelente professora.
(Obviamente, o nome da professora nunca foi Mayumi, certo?)