domingo, setembro 30, 2007

Tempo de plantio

I

Te digo milhões de coisas.
Tu me entendes:
Compactuamos lutas
Desde o início do mundo,
Compartilhamos dores
E lado a lado amamos
Nossos corpos alheios
Ondas num mar de desvios.

II

Te faço ir a portos
Dos mares azuis de Creta.
Tu te abres como uma porta
Forçadamente entreaberta
Meio triste, meio lenta
Mostrando a soleira
A parede da sala branca
Os quadros de moldura escura.

III

Rios áridos determinam fronteiras
E estimativas de fogos.
Agrupo cercas ao teu redor,
Coleto frutos, coleto pontos
Prego teu corpo entre fugas
De pássaros embriões.
Tu me entendes:
Dentro de ti mora um ninho
De itens sublinhados.

IV

Mostro o vazio
Das ruas virgens
Folhas brancas
De impregnação.
Te colho na aurora
No musgo pálido
Na madressilva.
Por aí sobrevivo
Jogando cachos

V

No desconhecido dos teus olhos
O meu sentido é um só:
A paz que mora contigo
Me pertence em entendimento
Sou forte quando silencio
Cheiro o mar dos teus abraços.
Buscando a água
Que já não acho
Nos teus seios.

VI

Te guardo o sentido.
Já não broto das algas
Já não sugo as selvas
Já não me jogo pelas camas.
Com prazer me deito
Me abro feito flor
E derramo o sangue
Do meu hímen de louça.

VII

Noites se fundem
Em indecifráveis equações.
Tu me entendes:
A liberdade é primavera
Cuja semelhança é tanta
Nas mãos (torno) do tempo.
Sentes a brisa desde o início
Alfa e ômega que sobrevive
A incontáveis meteoros.

VIII

Tento ser o que se foi
Pelas vias de concreto armado
E como tal foi me dado
Onde andas
Se já não estou em ti?
Tu me entendes:
Como tal me foi dado
Oferta queimada em fogo lento.

IX

Tua cicatriz me arde
E me transfigura eternamente.
Tuas mãos são fileiras
Onde soldados queimam
E cães se afogam
No sangue-martírio
Dos que foram vendidos
Nos templos do mundo.

X

Digo milhões de coisas.
Tu me entendes:
Solitário entre os homens
Sou uma planta que persevera
E por calcanhares sobrevive.
Habito um tempo de plantio
Onde a semente vive apesar
Onde a colheita é farta apesar
Das profundas fendas do desfiladeiro.

sábado, setembro 08, 2007

O milagre esquecido

O que mais doeu foi o milagre esquecido,
as maçãs revolvidas como um tiro no silêncio.
São tão banais estas horas,
estas datas obscuras escritas
em minha velha agenda.
Parecem mármore e desafios.
Parecem mapas,
contornos de continentes,
um dia de verão atordoado
por imponentes túmulos.
Onde enterrei meu nome, ali,
entre o serralho e o pôr-do-sol incidente

Para o meu desespero

Esqueceria palavras irrefletidas se não fossem torres,
bem cuidadas, onde um soldado esconde-se
inquietamente. Abro e fecho cortinas.
No quarto o cheiro de café invade os lençóis,
toillete demorada, barba feita,
o dia a se desenrolar para o meu desespero.
Escorrendo no colo e sob os pés, o lenço puro,
o chão intumescido de barro.
Fui criado solto num inferno de dias e noites.
Aos olhos do mundo sou mesmo disperso,
estação de trens, grade fria da janela
pintada de um branco tolo.