I
Te digo milhões de coisas.
Tu me entendes:
Compactuamos lutas
Desde o início do mundo,
Compartilhamos dores
E lado a lado amamos
Nossos corpos alheios
Ondas num mar de desvios.
II
Te faço ir a portos
Dos mares azuis de Creta.
Tu te abres como uma porta
Forçadamente entreaberta
Meio triste, meio lenta
Mostrando a soleira
A parede da sala branca
Os quadros de moldura escura.
III
Rios áridos determinam fronteiras
E estimativas de fogos.
Agrupo cercas ao teu redor,
Coleto frutos, coleto pontos
Prego teu corpo entre fugas
De pássaros embriões.
Tu me entendes:
Dentro de ti mora um ninho
De itens sublinhados.
IV
Mostro o vazio
Das ruas virgens
Folhas brancas
De impregnação.
Te colho na aurora
No musgo pálido
Na madressilva.
Por aí sobrevivo
Jogando cachos
V
No desconhecido dos teus olhos
O meu sentido é um só:
A paz que mora contigo
Me pertence em entendimento
Sou forte quando silencio
Cheiro o mar dos teus abraços.
Buscando a água
Que já não acho
Nos teus seios.
VI
Te guardo o sentido.
Já não broto das algas
Já não sugo as selvas
Já não me jogo pelas camas.
Com prazer me deito
Me abro feito flor
E derramo o sangue
Do meu hímen de louça.
VII
Noites se fundem
Em indecifráveis equações.
Tu me entendes:
A liberdade é primavera
Cuja semelhança é tanta
Nas mãos (torno) do tempo.
Sentes a brisa desde o início
Alfa e ômega que sobrevive
A incontáveis meteoros.
VIII
Tento ser o que se foi
Pelas vias de concreto armado
E como tal foi me dado
Onde andas
Se já não estou em ti?
Tu me entendes:
Como tal me foi dado
Oferta queimada em fogo lento.
IX
Tua cicatriz me arde
E me transfigura eternamente.
Tuas mãos são fileiras
Onde soldados queimam
E cães se afogam
No sangue-martírio
Dos que foram vendidos
Nos templos do mundo.
X
Digo milhões de coisas.
Tu me entendes:
Solitário entre os homens
Sou uma planta que persevera
E por calcanhares sobrevive.
Habito um tempo de plantio
Onde a semente vive apesar
Onde a colheita é farta apesar
Das profundas fendas do desfiladeiro.
Um comentário:
Belo poema.
Gostei.
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