sexta-feira, dezembro 28, 2007

Peregrinos

" Quando Deus quer, com todos os ventos chove." — Largitur pluvias, ubi vult divina potestas
(Antigo ditado romano)


Alguns peregrinos trilham pontos
Enquanto pastores olham ao longe
Pinheiros molhados por fina garoa

Alguns pedem água, outros são prisioneiros
Da floresta verde que se delineia ao lado
Exílio de um corpo enorme e fechado

Um espetáculo se inicia de forma viva
(Peregrinos andando em cadência
Carregando suas cruzes esfarrapadas)

E penso que haverá sempre a solidão
No coração dos homens, sempre
Mesmo que multidões se formem

De tal forma compacta como muro
E ergam suas vozes até as alturas
Onde talvez exista um Deus que escute

Tamarindos

Tentado pelo mel, escrevo devagar
Frases de forma recatada,
Às vezes arrebatado pelo desejo
De colher tamarindos
Plantados no quintal
De minha casa,
Ou colher bagas de algodão
Com minha mãe, nas férias
Da escola como sempre fazia.
Este legado não esqueço:
Uma enxada carpindo o mandiocal
Os gritos de dona Maria
Chamando Burú, Dora, Marcelo,
Meus amigos
E as galinhas ciscando na areia
Do imenso mundo, panorama
Encravado no dia
Trêmulo de sol e ruas.

(Escrito em 27/10/2004, em plena Rodovia Marechal Rondon, em algum ponto entre Araçatuba e Valparaíso)

quinta-feira, dezembro 27, 2007

Laudate Dominus, Amem

Ao amigo e poeta Simão Viana que afirma já conhecer Andradina
apenas lendo estes textos, aqui vai mais uma imagem de minhas lembranças.

Em nuances as cercas florescem
Para os lados da estrada do Jaó,
Passando pelo velho Moinho
Onde velhos e seus cavalos

Decoram os campos
Sobem morros, sulcam
A terra e regam a roça
Com seu suor e espanto

Para os lados de Três Lagoas
O céu une-se aos campos
Verdes, amarelos, azuis
Unidos na mesma escala

Juntos, além do rio Paraná
E seus afluentes doces
Peixes enormes pescados
Em batelões e farpas

Em nuances Deus nos mostra
Pássaros, estradas que se perdem
Riscando o mundo, vasto mundo
Onde um dia andei, menino

quarta-feira, dezembro 26, 2007

Abraço a todos os amigos!







Abraço a todos os amigos! Apesar de não comemorar o Natal, desejo a todos um ótimo Ano-Novo. Mais um ano, mais cabelinhos brancos, alguns amigos que se foram - infelizmente, e aqui vamos nós, sobreviventes, adentrando 2008.

Que venha!


"Quem se vence, vence o mundo." — Vincere cor proprium plus est quem vincere mundum.

quinta-feira, dezembro 20, 2007

O poema e o seu caminho

Talvez por ainda não ter
a devida consciência
Continuei a crer na luz,
Em danças na floresta
Fluidos e solos de cantos.

Inquietamente ainda acreditava
No tempo deslocado por mundos
Onde repousasse a aurora
Onde a lisonja fosse vã
E os pequenos pontos
Constituíssem o alicerce da vida;

Onde os segredos estivessem em lápides
Confissões fossem proibidas
E todas as coisas fossem claras
E límpidas como um amigo.

Talvez ainda por ser ingênuo e doce
Continuei a crer nos povos
Sem venenos nem malicia
Onde os velhos vivessem mais
E tomassem da rosa como a uma jóia
A despeito de tudo o mais,
A despeito da força e do horror.

Mas escrevo estas frases, escrevo
Com um nó na garganta, uma raiva
imensa e nada santa nem divina
Traçada no branco da página
Tentando colorir com a mão
Com a alvura e a maciez
Este campo desolado.

O suspiro merecido de um grito

Chegará certamente o dia
que opiniões não valerão
ardores nem falsos olhos
possíveis êxitos
ou parcelas intrinsecas
de felicidade

Chegará o dia, chegará
a tarde, chegará o suspiro
merecido de um grito;
chegará quem sabe, a fuga
a vaidade crua da morte,

O esplendor azul e farto
de asseadas mulheres nuas
timbre calmo, porém frívolo
de gozo e riso,
os pinheirais de junho
passeando entre os dedos

do sol vivo e luminoso;
passeando entre os melros
transbordantes de penas
e então morreremos
pois esta é a métrica
fatal do tempo e da vida

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Pequena oração de um condenado

O Senhor escondeu de mim a sua face
E hoje só vejo monstros, escuras servas, ladrões.
Testou minha fé colocando à minha frente príncipes e muros.
Fez do meu caminhar, o caminhar dos sedentos
A transgressão marcada como um sinal em minha testa.
Escuta à mim, Senhor dos Exércitos, livra-me do passarinheiro
Da armadilha dos beberrões, das impetuosas lascívias.
Escuta à mim, que estou cansado de trilhas e pedregulhos.
O espírito é imenso, Senhor, mas a carne é finita.
Conceda-me o dom da súplica,
Faça o ocidente tremer, e o oriente fraquejar,
Abala as estruturas do meu corpo
Vosso templo arruinado.

domingo, dezembro 16, 2007

As flechas de Ulisses

Súbitos aviões riscam o céu de anil.
Imensos pássaros rasgando o espaço

como se fossem flechas lançadas por Ulisses,
o guerreiro de Ítaca. Tenho medo deles,

destes seres quase masculinos, alongados,
apontando sempre para frente.

Parecem brechas pintadas na interrupção
diminuta de uma nuvem. Riscam o céu,

riscam o vidro da janela. Deixam ao longe
um sinal quase invisível de imortalidade.

Voltando de Poços de Caldas

Um enorme vagão me atravessa
Na serra cortada de trilhos
Nas encostas íngremes da montanha.
Terras vermelhas,
Vermelho sangue entre a grama:
Uma enorme noite me atropela.


(uma bem antiguinha....)

Saber sempre

No aparelho do canto/pinta a dor e seu encanto
Na curva vil da rua/espalha-se uma ferida crua
No vazio do nosso espanto/fica o homem e seu rebento
Na escura ceia de cada dia/sobra o pé a passo lento.

No canto/espanto
Na rua/a dor nua
Na face/o disfarce
No dia/a falsa alegria.

Na candura de cada dia/espalha-se o resto só da ceia
No escuro vazio do canto/morre calado seu rebento
No dia vil daquela rua/sobra a dor tangente e crua
Na ceia pintada de preto/caminha o homem a passo lento.

(uma das antiguinhas....)

terça-feira, dezembro 04, 2007

Os pêndulos e os navios

Em certos aspectos todas as coisas são Unas
Se olharmos com o olhar certo
Com a vista aguda de uma janela elevada
À quintessencia dos pêndulos.

É permitido sonhar com coisas vãs
Platônicas, edipianas, traves abertas
E primitivas, delirantes em suas formas:
É permitido que as mobílias flutuem

Nesta imensa casa que somos nós todos
E que o ébano se misture com a laca,
Que o estanho se congregue a prata
E que os enganos não passem de
Mergulhos, aduelas, paralelos
Deixados para trás entre as águas.

Em certos aspectos todas as sensações são cruas
Delírios, negras paredes onde lívidos
Corpos se tornam mágicos e vastos.

Em certos momentos, somos navios
Acima da espuma e em queda
Para o profundo mar onde numerosas
Ondas, liquidas luas, emprumadas jóias
Estão à nossa espera numa eterna vazante.

Exercício 3 - A noite azul e plena

Aparentemente a cena é plana:
murmúrios e servos,
hunos e trincheiras.

O forte é avisado, destacado
no meio da noite azul e plena.
Somos gente, peculiares pontos.

No interior a explosão
lamento de nomes, combates
e não há lugar tão secreto.

Em direção ao front, rios
de ferro cruzam a carne:
entre lágrimas não há valia.

Resta a mim mesmo,
soldado à beira da fuga.

Exercício 2 - Folhas, abelhas, ferrões

Folhas compostas são frutos
Dividindo algumas faixas
Que cismam em se perder
Ao longo dos trilhos.

Permanece uma mancha
Pintura esbranquiçada e azul
Lembrando bagas feitas
Abrangendo os sertões.

Algumas folhas lembram
Abelhas, ferrões e estames
Dispostas em cantos
Mais ou menos cismados.

A astúcia dos caules
Simulam venenos outros
Irrompendo pelo chão
Cujas flores morrem.

Exercício 1 - As coisas


Primeiro as coisas
Precisam de quietude
Para que floresça nelas
A total amplitude

Depois o parto natural
As palmas e oliveiras
Aparecendo entre os dedos
De profanas freiras

As pinturas dos costumes
Impressionam nosso medo
Cortesãs ou madonas
Amam sempre cedo

E acordam os meninos
ao badalar do beijo
que mascaram o desejo
disparam milhares de sinos.

terça-feira, novembro 27, 2007

Minha casa na Rua Acre, em Andradina

Cresci nesta casa na Rua Acre. Quando meu avô a construiu nos idos de 1966 era de madeira, depois foi vendida e reformada.
Muitas saudades, muitos momentos felizes passei nesta casinha simples onde vivi até o dia 05 de janeiro de 1974, quando vim para São Paulo.

Até hoje deve ter muitas bolinhas de gude enterradas ali por mim. Será que ainda existe o pé de manga que plantei no fundo do quintal? E meu pé de laranja? Será que ainda existe? Qualquer dia tomo coragem e pergunto para o novo dono.

segunda-feira, novembro 26, 2007

Na visão de um caipira

Como caipira entendo
Que gado somos todos
Na malhada do pasto
Mugindo em alto som.

Andando em lento cerrado
Como gado mugimos
O gozo da vida rala
Escorrendo pelos cantos.

Como caipira entendo
Que gado bom não berra
Ou muge, ou se avença
Como qualquer eito.

A paz do pasto nos alivia
Esfarrapa e estropia
Marca a dureza do ferro
Na carne posta à venda.

O lento passo do frio
Na ocasião das touradas
Traz-nos palha e pavio
Que limpam as beiradas

Como caipira entendo
Que a dor de existir é pano
Dinheiro cru e enfeitado
Com que à revelia me vendo.

sábado, novembro 24, 2007

A cidade e suas múltiplas formas

Em meu sonho a cidade noturna
Incongruente com suas catedrais
Lembra um copo com suas fachadas
Suas proas boquiabertas
Seus flancos amurados e vermelhos
ruas longitudinais.

Em meu sonho a cidade é enseada
Mergulhada em um ou mais preâmbulos
O céu de uma infinitude cética e urgente
Como um alto mar em relevo
Camisa de seda arroxeada
mulher de sexo impudente.


Orlando suas ruas e suas dobras
Percebe-se o contexto amargo
De sua grande ingenuidade:
Através do quarto enluarado
Pássaros excitados procuram
O que há de invisível na cidade.

Em meu sonho – através dele, talvez
De suas possessivas formas -,
Semelhante imagem se distorce
Como serpentinas em carnavais
Caiada de branco em sua posse
num quadro que não existe mais.

quarta-feira, novembro 14, 2007

A marca - De malas prontas para Andradina

Preparo-me para a viagem
Coloco na mala camisas, calças,
roupas íntimas e brancas.
Logo mais à noitinha, os carrilhões se movem
Trevas se iniciam, figuras são lançadas no meu rosto,
Sinto o peso nos ombros.

Em meu hemisfério a viagem é indefinida
Nada mais que um ponto transitório no espaço
Singular desenho, o homem que retorna ao seu umbigo.
Essa esperança tenho, mesmo que não compreenda:
Há uma marca em mim
E a tradução é só uma emenda.

Ponta-cabeça

Pelas paredes laterais surgem crostas
Desenhos, pequenos ponto anelados
Mostrando garatujas de um menino
Dimensões que jamais se conheceu

Quanto à forma as letras são simples
Existem num estado de lassidão
Janelas circulares e hesitantes apenas
Estreitamente escritas durante a noite

Parece um nariz que o menino cospe
Navios desenhados de ponta-cabeça
Instrumento muito amplo e mergulhado
Viagem de regresso para um mar maior

Sem solução

Muitos foram aqueles que me chamaram
E colocaram pedras, construíram casas
Como navalhas

Muitos ditaram sílabas em noites quentes
E se prolongaram para a frente da areia
Gesticulando golpes

Muitos se postaram ao meu lado
Mas meus sentidos não garantem rede
Arcos ou coberturas

Muitos foram aqueles que num segundo
Prometeram a morte dos seus sentimentos
Sem solução para este mistério

Muitos – milhões -, mostraram-se transpostos
E foram apenas morte, escuridão
E imobilidade

No final, a vida não é uma resposta

quarta-feira, novembro 07, 2007

Tramas de Sirius

Tal qual a morte do divino corpo
Sirius sangra o céu de novembro
Pintando de cinza as cores sutis

Tal qual a morte do eterno manto
O pó do tempo destila seu sono
Arrastando assombrosas teias

Mais de mil navios pintam a noite
Tecem lãs de doces tramas
Pavilhões de muros atrelados

Tal qual a morte em eterno sopro
Tal qual a vida em silente vinho
Percorro só este vago caminho

segunda-feira, novembro 05, 2007

A confissão de Polidoro

Por ordem da Deusa
apertei meu elmo
cingi meus lombos
e combati milhares

Antes do sol, as pétalas
trilhas emaciadas
por pés de escravos
a quem não libertei

Construí colunas
entre os mares de Zeus
ergui muros e templos
corrida de tantos pés

Por ordem da Deusa
destruí muralhas
atirei-me em abismos
sacrifiquei bois e pássaros

Nada me feria, nada
comandei frotas pelo Egeu
atingi cumes e fronteiras
roubei o fogo divino

Por ordem da Deusa
combati à esquerda
e à direita tombaram
heróis de ferro e aço

Golpeei povos
calquei meus pés
em caminhos de fadas
prata e doce alabastro

Por ordem da Deusa
destrocei corações
em países do crescente
entre projéteis inimigos

Por ordem da amada e santa
Deusa e senhora dos tempos
aqui estou, herói sem elmo
sem punhal ou lança

Nem Páris nem Heitor
tiveram o destemor
de buscar para si
a dor da espada

Nem Ájax nem Menelau
construíram navios potentes
dos lares desterrados
nem de lança insolente

Aqui estou sem corcéis
nem jóias ou infantes
sem rubor nem palácios
ou poder das falanges

Aqui estou em corpo destronado
soldado que não mais tenta
fugir de si ou da Deusa
fugir do mar ou da santa

Só me restou o corpo
ó Deusa imortal
e o sangue coagulado
a mim próprio reduzido

domingo, outubro 28, 2007

As cadeiras sob o Flamboyant


Havia uma luz parecida com um toco de cigarro,
O vazio e o leve tamborilar dos pássaros,
Nenhum som, nenhum gesto noturno
Apenas um prisioneiro nos olhos do tempo,
A antiga casa verde de madeira
Que te recebeu quando ainda não vinhas.

Uma velha paineira sob os deuses
(pintada como uma velha abelhuda
de plantão no quintal extenso),
dividindo o céu com o flamboyant
esteio de gerações de moleques
correndo entre suas bagas
na expectativa da primavera
saqueando os quintais alheios.

Havia uma casa, dois carros descendo
um homem à frente
dando berros urgentes na buzina,
A camisa branca desabotoada
Descendo a íngreme ladeira
Na noite inevitável de sábado
Quando o clube tocava lembranças
E fazia uma passagem entre a casa o tempo.

Construindo uma força dentro de mim
Construindo algo que eu não entendia
Mostrando que porta ainda existe, a clareira
O rosto desconhecido
Semelhante a este que ainda uso
e cada vez menos, entendo.

Longe, a cara do homem anônimo.
Nosso vizinho, que morava depois da curva
Espécie de calma furiosa
Quando não bebia o suficiente
E chegava em casa de quatro, carregado.

Todo sábado tinha festa perto do pontilhão cinzento
Deslocado no ar e um tanto pequeno,
Na cidade crua como carne na agulha
Mas que nos permitia ver o cartaz do cineminha
deixava ver que era tarde e os motivos eram outros
que a noite era imensa, na pequena faixa.

Entre o ar deslocado da calçada
Onde as famílias conversavam
Sob a luz de candeeiros.
Anos atrás, num circulo mágico de cadeiras
e esquecimento onde o rosto já não mais
se insinua.

O que tem sido


Em meia hora a caminhada se desfaz em somas
Lírios, cintilações da manhã
Água distante de um rio outrora dividido.

De forma invisível
- Quase como uma ausência
Grandes massas ornam de luz

O que tem sido
Caminho, diversas ruas
a nossa posse

O que tem sido
Periélio, contrapeso, amontoados
Colocando em evidência

Dois ou mais encantos:
Segredo
Engano
Cinco minutos

De um tempo que ainda
Não se fez distante
Folião, apenas

De uma confusa direção
De nenhuma combinação
Humana.

domingo, outubro 07, 2007

Anotações de um caipira - parte 1

Parte 1. A Lembrança como trevo

No inicio era o verbo
Um borrão inédito pintado nos caules das arvores.
No inicio era o nome,
Mas o nome ainda não existia além do tempo,
Ainda não deflagrava gritos, correrias, a longa noite
Se esvaindo entre os dedos,
O apito do trem varando a escuridão dos trilhos.

No inicio era o verbo
Uma criança natimorta, uma ruazinha tranquila e mal delineada
Na pupila do homem,
Um mal estar, a tranqüila roça de rododendros
Infestando-se pelo calos do roceiro,
(A mão inerte, extática no ar,
Apontando uma direção desconstruida)

No inicio era o verbo
Um motor dando fortes estalos,
A vida emperrada pelo cortejo
Construção de tijolos vermelhos ainda tremeluzindo
Nos olhos da casa, numerosos amigos
Acenando ao longe, indistintos já, na distância
Da vida que se esvai e se deteriora.

No inicio era o verbo
Semi-estrangeiro, alguém libertado das coisas
Enigmas que nos compõe e nos altera
Das cinzas e das enormes latas rasas onde somos guardados
Pelo senhor do mundo, pequenas esferas que pulsam
Pulsam e depois repousam
Quando nos chegam os dias de fome.

No inicio, sequer era o Verbo.
Porque o inicio nem são dias
Nem infância são, sequer vislumbram horas
Senão um olho humano e fixo caminhando tropegamente
Pelas calçadas, onde El-Rei domina as cidades
Do sul, do norte, os meio-termos e o que nos sobra.

Se fosse verbo seria letra,
Seria presente, passado, a eterna poeira que ainda nos envolve.
Seria represa, dom guardado, pequenos pedaços que se foram
Fotografia ainda não revelada,
Não mais que homens correndo ao lado do trilho
Tropeçando em pedras
Numa busca desigual por sua própria imagem
já perdida num antigo espelho.

domingo, setembro 30, 2007

Tempo de plantio

I

Te digo milhões de coisas.
Tu me entendes:
Compactuamos lutas
Desde o início do mundo,
Compartilhamos dores
E lado a lado amamos
Nossos corpos alheios
Ondas num mar de desvios.

II

Te faço ir a portos
Dos mares azuis de Creta.
Tu te abres como uma porta
Forçadamente entreaberta
Meio triste, meio lenta
Mostrando a soleira
A parede da sala branca
Os quadros de moldura escura.

III

Rios áridos determinam fronteiras
E estimativas de fogos.
Agrupo cercas ao teu redor,
Coleto frutos, coleto pontos
Prego teu corpo entre fugas
De pássaros embriões.
Tu me entendes:
Dentro de ti mora um ninho
De itens sublinhados.

IV

Mostro o vazio
Das ruas virgens
Folhas brancas
De impregnação.
Te colho na aurora
No musgo pálido
Na madressilva.
Por aí sobrevivo
Jogando cachos

V

No desconhecido dos teus olhos
O meu sentido é um só:
A paz que mora contigo
Me pertence em entendimento
Sou forte quando silencio
Cheiro o mar dos teus abraços.
Buscando a água
Que já não acho
Nos teus seios.

VI

Te guardo o sentido.
Já não broto das algas
Já não sugo as selvas
Já não me jogo pelas camas.
Com prazer me deito
Me abro feito flor
E derramo o sangue
Do meu hímen de louça.

VII

Noites se fundem
Em indecifráveis equações.
Tu me entendes:
A liberdade é primavera
Cuja semelhança é tanta
Nas mãos (torno) do tempo.
Sentes a brisa desde o início
Alfa e ômega que sobrevive
A incontáveis meteoros.

VIII

Tento ser o que se foi
Pelas vias de concreto armado
E como tal foi me dado
Onde andas
Se já não estou em ti?
Tu me entendes:
Como tal me foi dado
Oferta queimada em fogo lento.

IX

Tua cicatriz me arde
E me transfigura eternamente.
Tuas mãos são fileiras
Onde soldados queimam
E cães se afogam
No sangue-martírio
Dos que foram vendidos
Nos templos do mundo.

X

Digo milhões de coisas.
Tu me entendes:
Solitário entre os homens
Sou uma planta que persevera
E por calcanhares sobrevive.
Habito um tempo de plantio
Onde a semente vive apesar
Onde a colheita é farta apesar
Das profundas fendas do desfiladeiro.

sábado, setembro 08, 2007

O milagre esquecido

O que mais doeu foi o milagre esquecido,
as maçãs revolvidas como um tiro no silêncio.
São tão banais estas horas,
estas datas obscuras escritas
em minha velha agenda.
Parecem mármore e desafios.
Parecem mapas,
contornos de continentes,
um dia de verão atordoado
por imponentes túmulos.
Onde enterrei meu nome, ali,
entre o serralho e o pôr-do-sol incidente

Para o meu desespero

Esqueceria palavras irrefletidas se não fossem torres,
bem cuidadas, onde um soldado esconde-se
inquietamente. Abro e fecho cortinas.
No quarto o cheiro de café invade os lençóis,
toillete demorada, barba feita,
o dia a se desenrolar para o meu desespero.
Escorrendo no colo e sob os pés, o lenço puro,
o chão intumescido de barro.
Fui criado solto num inferno de dias e noites.
Aos olhos do mundo sou mesmo disperso,
estação de trens, grade fria da janela
pintada de um branco tolo.

domingo, agosto 12, 2007

Sozinho entre letras

Um pássaro de plumagem rara toma-me o fôlego,
terra desconhecida e lançada ao fogo.
Entre mares, adoto palavras que viriam rápidas em resposta.
Não sei quais exatamente,
mesmo raras e fugazes.
Uma observação viva: sozinho entre letras cinzentas
apago esteios e crio lendas, velhas caixas de esmalte
onde deposito seios e algumas moças mal comportadas
para meu deleite e sonho.

Cai o sol na tarde. Cai o céu em mim.

domingo, julho 15, 2007

Viagem a Teresópolis - 07 a 10/07/2007

Onde me hospedei (www.bromeliasabia.com.br): cordialidade, bom atendimento, limpeza e por que não, luxo. Tudo concentrado na figura do Sr. Lorinaldo, o proprietário.

Roteiro Tere-Fri, um colírio para os olhos. Região belíssima, colonizada por suiços.

Cremerie Geneve, segunda, 09/07/2007

Cremerie Geneve, Teresopolis

Cremerie Geneve, km 16 do Circuito Tere-Fri. Queijos de ótima qualidade, lugar encantador.
(http://www.fazendageneve.com.br/)

Lago Comary, belissimo. Ao lado da concentração da Seleção Brasileira.

Lago Comary na Granja Comary, ao lado da CBF onde fica a Seleção Brasileira.

O Dedo-de-Deus visto da Br-040, sentido Friburgo-Teresópolis.

O Dedo-de-Deus, visto da Vista Soberba. Faz-nos sentir pequeninos.
Uma das vistas mais belas que já vi na vida.

Via Dutra, próximo a Cruzeiro, sentido estado do Rio.
Várias vezes passei e vi esta construção, mas não consegui frear a tempo.
Desta vez, consegui registrar esta construção solitária.



domingo, maio 20, 2007

O barqueiro

Basta um só recanto para enxugar
o que me tem matado, o interior da carne,
bloqueio descontínuo e gasto
onde me escondo.
A ligação das coisas é como um recuo
corrida de sombras, espaços mal distribuidos
entre as mãos, barqueiro da morte,
estacionado entre os trilhos.
Toda noite ouço as antigas vozes
raparigas alegres girando sob a lua.
Brônzeos corpos desenhados na água
dormindo o sono, escorrendo as tranças,
ocultando de mim a exata figura.
Que o dia de hoje seja pleno
e não me escorra entre os dedos.
Que o dia seja pleno
e se prolongue além da indagações.

Assim mesmo, o grande fruto nos devora

Pessegueiros desenhados sob o sol do fim do dia.
Furta-cor, o gris da tarde sublinha pelo teu rosto.
Cai o tempo, como cai o corpo sobre outro corpo, lentamente.
E gravado o nome fica, como se o mármore do tempo
fosse um grande relógio, com horas marcadas e beijadas.
Assim mesmo, o grande fruto nos devora.
Sucos, beijos, espermas mal desenhados sobre a pélvis.
O dia explode. A noite situa-se entre o ser e o não-ser.
O devir. Exala por todos os sentidos do poeta a queda
num precipicio de sombras.
O tempo urge, berra como um bezerro no campo.
E nos insere, como palavras quase ditas,
quase escritas, quase doloridas
e intoleráveis.

MOÇAS LOIRAS

Na cama, desenhos matutinos me enchem os olhos.
Andorinhas em bando parecem voar pela janela.
Moças loiras sorriem debruçadas e sonolentas,
Jarros de plásticos, exemplos fúteis de roupagem.
O pé no tapete,
o corpo hirto.
O poema insinuado
no abajur.

quarta-feira, maio 16, 2007

Continuando a rodar

O crescente ronco do dia me avassala. Vem a seguir
um estalo profundo e cinzento, muros altos,
punhais brilhando na escuridão da cela.
E os cristais parecem fogo, gritos anasalados percorrendo milharais.
Alguém quebrando espigas com o peito, pela noite afora, comissionada.
Espéculos ferindo a luz selenita, o calcanhar rápido do fugitivo,
o último individuo a se apresentar diante do fogo.
O bom nome da vida não mais resiste, não mais se espalha.
Aquele que fui, estremece em palha, consiste em hábito
se apresenta de forma sutil e desdenhosa
cercado por figuras mal fixadas.
Um lampejo e mais nada em sua quietude.

sexta-feira, maio 11, 2007

Sobre o poema

Teria que citar o dia abundante,
as formas puras e precisas, a evocação
das lágrimas, o pulsar das esferas.
A paixão enroscada nas escadas do riso,
a tarde incerta no rosto do homem.
A flor da primavera coesa,
a queda leviana do joio colhido,
a mutilação do homem e suas formas irrisórias,
o ir sem saber para onde,
as estradas pintadas
através da vindima,
a colheita feita por mãos aflitas.

Cantaria a rua e suas praças de velhos,
casas carcomidas e varais
repletos de roupas,
escolas e crianças
correndo atrás de uma bola,
alguns pés de manjericão,
viagens de além-mar.
Falaria sobre música, sobre bicicletas e jogos,
mulheres indiferentes e colchões repletos
de púrpura insônia,
da chuva precipitando-se
sobre os homens de hoje, arrastados pelos de ontem
e nunca chegados aqui.

Falaria sobre esta angústia incessante, essa eterna busca
de morrer , a falácia do riso falso, da noite subjugada
pelos tiros de homens desesperados.
Falaria das esquinas de ferro e sangue,
de quem se faz de mudo por não ter o que falar,
das vidraças opacas.
Jogaria o poema dentro do liquidificador
e nele criaria metáforas de fome, líricas misérias,
porque o poema não mata a fome
dos que são últimos ou primeiros.

Criaria labaredas intensas nas veias
do poeta magro e de óculos, que escreve,
mas não entende, que escreve,
mas não vende.
O poema teria que citar os filamentos das palavras
encardidas, jogadas sobre os ombros dos pobres
de espírito, dos dias encobertos pelo riso escuro e louco.
Teria que citar as expressões fistuladas
sobre o balcão da vida e sobre ele morrer diariamente,
sem nada além do que rir.

Falaria do mar porque o mar
não nos pertence nem nos inunda,
o mar é vôo rasante e filho do espírito
e não vivemos para o mar,
vivemos para a terra, porque somos pó
e ao pó retornaremos,
vazios de mar.
Falaria do céu, desse céu que quase não vemos,
dessa cor rubro-negra
sentida em cores De Luxe sobre as plantas,
as casas despidas,
esse céu onde Elias foi, onde Gagárin foi e se riu,
tamanha a sua vacuidade.
Céu de nuvens carnavalescas
onde os homens olham e anseiam,
mas não conseguem alcançá-lo porque estão sós.

sexta-feira, abril 27, 2007

CAFÉ TORRADO

No dia de hoje um rio esgotou-se em riscos
Do alto céu de abril, cântaros desmiolados
Fincados no solo roxo e frugal.

Tópicos foram chamuscados
Telhados vermelhos destacando-se
Roseiras colhidas nas orlas dos trigais.

Parcelas correm, vagas brancas atadas
A cavaleiros que gritam nas soleiras das portas
Revolvendo bandeiras como desculpas.

Café torrado, missas de antigamente.
Janelinhas onde olhei há muito tempo
Reposteiros sem brilho e laranjais.

terça-feira, abril 17, 2007

O rio que segue

A grave presença dos corpos.
Só reafirmo o que se sabe,
O valor da terra enriquece os portos
Sátiros pendurados pelos postigos
Prestigio de ser livre e perigoso.
Encerra o versar da terra e suas
Ordenações.

As cores pretéritas são portas obscuras
Decorrentes de rasas pontes de madeira
O rio que segue se ajusta ao ponto morto
Da rigidez e dos remotos antiquários.

Regimes de contas ouve-se na noite.
Onde as pontes (sempre elas)
São desestruturadas, assuntadas, dobradas,
Um quarto de hora que já se finda.

A noite caindo, pesada como cimento.

In natura

Conchas fazem lastro no mar.
Voltar à infância é adentrar
Uma velha casa, visitar seus
Cômodos, olhar a rua areiosa
Vendo os tremores do sol.

É real e consagrado.

Preciosas letras parecem pedras
Ainda in natura, breves contos
Inutilidades guardadas em gavetas
Arquivos de outros tantos tempos.

A dor sertaneja é história antiga
Casa velha, velhos quartos
Janelas estilosas onde se põem
Algumas lacunas.

Somos todos atores.