segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Pilatos e a Verdade

(No Evangelho Segundo João, Jesus diz a Pilatos: "Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz".
"Que é a verdade?", perguntou-lhe Pilatos, e não recebe resposta)


Mateus disse a Pedro
Que efetivamente o Cristo era a estrela
Magnânima e reta,
O rei dos reis,
Mais que uma lenda
Mais que um mago
A celebração da Vida
A conjunção viva
De todos os domingos
Ensolarados.

Pedro disse a João
Que as prisões seriam abertas
Luas novas brilhariam
Profecias seriam cumpridas
Pois o Messias fora visto
E andava, comia e bebia
Como um homem
De obras.

João disse a Marcos
Que aclamado seria o povo
Do mais profundo vale
Das mais nobres esferas
Que em sua compreensão
Beijasse seus santos pés
Único ser limpo
Na superfície e dentro
Do largo peito.

Marcos disse a Tiago
Sobre o filho amado
Homem reformado
Verbo passado a ferro
E fogo
Anos-luz a frente
Significado de tudo
Que antes nos pareceu.

Assim quando Pilatos
Em seu traje branco de linho
Levantou a mão e perguntou,
Seu uso das palavras
Calou a voz e a frase
Do alto Galileu;
Em si mesma a questão
Já encerra o trato
Sobre o tempo, a vida
Os seres vivos e mortos
A nascente viva que gera
tudo, a ordem após o caos.

Mas eu digo que Pilatos
governou a Judéia
Tomou vinho,
Dormiu com mulheres
Comeu, cantou e dançou.
Entrou para a história apenas
Como um tolo que perguntou
Uma pergunta irrespondível
Um tolo que simplesmente
Lavou a mãos
Numa bacia de prata
.

terça-feira, fevereiro 12, 2008

A viagem de Paulo a Damasco

(Uma tentativa de descrever a conversão do apóstolo Paulo. O texto está parado há uns 3 anos....Estou tentando achar um rumo para o texto, mas nada....realmente tirar água de pedra é um milagre)

(06.03.2008:
Consegui inserir a terceira parte, incentivo do amigo Simão).






Primeira parte.

Onde se retrata as condições, naquele dia sombrio, da estrada que conduzia a antiga cidade de Damasco.

I

Homens nascem e homens morrem,
Mas homens sempre existirão, poucos ou muitos
Menores ou maiores,
Humildes ou poderosos
Sempre existirão.
A multidão sempre será imensa
Como estrelas, como a areia e o mar.
Homens nascem e homens morrem
Mas alguns permanecem.

Os dias também são os mesmos
Com as mesmas horas, os mesmos passos
A rotina do ir e vir encravada em nosso sangue
Nossos músculos, nossa face marcada de tempo
Nossa face marcada de espanto
As mãos imensas de dor.
Há homens tristes e sempre haverão.

As estradas também são eternas
Sempre existirão estradas
Com mais pedras ou menos pedras
Algumas no caminho
Outras aguardando para entrar no caminho
E a luta é contínua, sempre uma boa luta
Entre os homens e as pedras
Entre os homens e si mesmos.

Flores também existem
Desde o início do mundo
Como todas as coisas criadas
Pela ordem natural de Deus
Aquele que nos contempla e anima
Aquele que ara em nossos corpos
E planta trigo, planta fé, planta tempo.
E flores haverão
Assim como haverá quem as pise
E as arranque
Tudo fazendo parte
Do mesmo quadro estranho
Que não compreendemos
Homens cegos que somos.

Mas não havia flores naquela tarde
Tarde negra de nuvens, desenhos sombrios
Desenhados no dia
Alguns pingos vertendo frescor
Sobre a poeira vermelha
Naquela estradinha ridícula
Onde transeuntes ocasionais passavam
Vestidos de branco em direção
Aos prédios distantes, além dos prados
Além das pedras, além das faces.

Naquele dia sombrio, a tarde já declinava
Pelo oriente perplexo de colinas
(As manchas vermelhas tingidas
Ninguém sabia, se pelos olhos
Ou pelas mãos invisíveis de Deus).
Algumas pessoas caminhavam lentamente
Pela estradinha sem graça
Que levava à cidade, além do monte
Após a linha horizontal
que parecia nunca chegar.

Segunda parte.

De como Deus nos engana (e assim também enganou a Paulo), e de como usa de artifícios para que possamos chegar até Ele.

II

Roma era o centro do universo
E os homens ambiciosos e implacáveis
Em busca de fama e poder
Deveriam ser filhos de Roma
Deveriam ser escravos de Roma
Deveriam ser as putas de Roma
Porque o poder e a fama são cruéis
E cobram caro pelos seus serviços
Desde que o mundo é mundo
Desde que os homens caíram
Na armadilha do poder e do dinheiro.

Roma era a grande meretriz da terra
E os homens se corrompiam por seus bairros
Escravos eram mortos e chicoteados
A vida não valia nada, a carne era vilipendiada
A carne deveria ser o combustível do poder
Moeda de barganha, comprada e vendida
Artigo de segunda, leiloada nas praças.
Foi ali que Saulo, vindo do povoado de Társis
Construiu sua reputação de nobre implacável
Matando homens, mutilando homens
Pela glória e poder de Roma e do Imperador.

(às vezes o amor se disfarça com velhas roupas
e parece ser outra coisa menos nobre
Disfarçando-se às vezes de guerra
disfarçando-se às vezes de morte
para que os homens sejam enganados
e aprendam o amor, pensando na guerra
aprendam a paz, empunhando a espada
E se cheguem à Deus, seu pai
Que usa de subterfugios para seduzí-los;

às vezes o amor vem como dor e choro
E negra escuridão, apavorante monstro
Para que os homens sejam seduzidos
E provem do amor mesmo não o vendo
E caminhem, mesmo que lentamente, para a luz
Ainda que a estrada seja espinho e dor.
Para que o filho chegue à verdadeira vida
O pai determina sua morte, e assim avançamos
usando nossos espíritos indecisos
também desta forma sutil o amor nos chega
e não percebemos
Homens cegos que somos.

Às vezes o amor nos engole
E sucumbimos bebendo nele a desesperança
E nosso espírito luta contra
E rebela-se e grita, animal selvagem do ser
Tentando por todos os meios fugir do destino
Que a marca em nossos rostos aprofunda,
Mas nossa carne deve sentir o furor
Nosso espírito deve ser amansado
Para podermos caminhar até o amor
O brilho e o início de tudo,
nosso Deus e nosso mestre).

Terceira Parte


Da origem de Paulo e sua formação tradicional na sinagoga


Saulo era da linhagem de Israel
Da tribo de Benjamim - de cujas
Raízes saíra Saul, o primeiro rei -
Fariseu e cosmopolita
Educado na lei antiga e rígida,
Aos pés de Gamaliel, que o instruiu
Nas antigas leis dos seus pais.
Gamaliel era neto de Hillel,
Rabino maior de Israel
Mestre da lei, fecundo varão
Fundador da escola liberal
E acatado por todo o povo.

O que se passava pela mente
Do poderoso ordenador
Durante a viagem pela
Antiga estrada de Damasco
Naquele dia estranho e cinzento?
O que teria o Mestre escrito
Em suas linhas nem sempre claras
Que faria o homem calvo
De pequena estatura mas poderoso
Curvar-se ao poder de Deus
Ele, Saulo, vindo da importante
Cidade de Tarso,
Província da Cilicia,
Parte oriental da Ásia Menor?
Importante porto, Tarso
Acessava o mar pelo Rio Cnido
Que sangrava a cidade
Como um veia.

Quarta parte

De como a dor surgiu na vida de Paulo, o representante de Roma, em forma de luz, que o cegou e o derrubou, à vista de seus prisioneiros e subordinados.


A dor era imensa, a dor era crua e parecia uma espada
Rasgando a carne, decepando músculos,
Enlouquecendo, enlouquecendo, turvando os olhos
E Saulo ergueu as mãos, gritando, tamanha era a dor
(A carne arrebentando, grilhões marcando seu rosto,
Seus olhos apenas percebendo a intensa luz que fluía do céu),
Mas a luz doía, era tão imensamente dolorida
Que caiu do cavalo e arrastou-se pela areia
Da Estradinha de Damasco, naquela tarde
Que nem sol havia no céu, apenas o brilho repentino
Que o cegou e o jogou no chão, no pó, entre as pedras.

A dor era negra, era de pregos furando as mãos
Seu colete de aço, suas pernas fortes de oficial romano;
A dor era quase palpável, quase uma entidade viva
E ele sequer percebeu seus auxiliares a levantá-lo
Assustados com seus gritos de desespero
Envergonhados diante da ridícula cena
Que aquele poderoso homem fazia
Arrastando-se pelo chão,
Gritando de tanta dor.

Balbuciava palavras desconexas
Esfregava os olhos, mas a escuridão permanecia
A escuridão dominava seu cérebro,
Junto com a dor lancinante,
Perceberam, abismados, que Saulo de Társis
O representante do poder romano, estava cego
E já não podia caminhar sozinho
E suas pernas trôpegas já não se sustentavam
Porque a dor as atingira de forma completa
Brutal e inexorável;
Que ele, Saulo de Társis, aquele a quem o Imperador
Senhor de todo o poder romano
Havia designado suas mãos e seus olhos,
Agora estava cego e inútil.

Com custo foi levantado e colocado sobre o cavalo
Com dificuldade foi alçado ao seu lugar de direito
Na vanguarda da multidão que se locomovia
Prisioneiros, alguns sangrando sob chicotadas
Outros com feridas e cicatrizes pelo corpo,
Porque ousaram ouvir as palavras do Galileu
Que sequer conheceram, que nunca viram
Mas que invadiu-lhes o coração de tal forma
Que o sangue derradeiro sob o chicote
Tornava-se como água límpida da fonte.
Com custo foi levantado e colocado ereto sob o cavalo
E lhe foi devolvido o cetro real de Roma
E sua imponência lhe foi devolvida,

Mas seus olhos continuavam vagos e cegos
Não notavam os movimentos, as pessoas
E o poder de Roma já não lhe servia
O cetro do imperador já não lhe servia
E Paulo de Tarsis, o matador de cristãos
Tornou-se como uma criança
Conduzido por aqueles a quem devia conduzir.

domingo, fevereiro 10, 2008

Alianças

1. Primeira Aliança


Na descida pode-se ver águas descobertas
Quase que pintadas no seco ar de setembro
Reses pastando ao longo do canal de cimento
Festa onde o sol dança e pinta de vermelho
Nossos ombros frágeis.
Por toda parte os sinais de Deus se destacam:
O barro castanho do rio, a lua se pronunciando
Formas de gente se movimentando ao longe
Distantes gritos de “Ôooo boi” que resiste e luta
Contra a mão do homem que o domina.
No entanto, se Deus é espírito e absorve
Tudo que a mão humana desenha e produz
Penso que por trás de tudo isso, homem
Rês, rio, estrada, plantas, carros zunindo
Tudo se completa, dentro de si mesmo
Despertos e glorificados, imersos, tudo
No corpo sagrado que nos protege e anima.


2. Segunda Aliança


A igrejinha branca como que marca
O lugar modesto onde sei que nasci
Há distantes quarenta e poucos anos.
Noto senhores sentados em cadeiras
Jogando cartas, outros dominó
Mulheres com os filhos escanchados
Na cintura, algumas já prenhes, de novo.
O pedaço de pergaminho que hoje compõe
Minha vida urbana, construída milimetricamente
Em apartamentos, carros, escritório climatizado
Transforma em precário as quadras que respiram
Que me dizem: daqui saístes, e não negues.
Olho adiante: rasgados espaços falam
Em travessia, em peso contido dentro do peito
E ponho-me a andar, absorto pelo sol do meio-dia.


3. Terceira Aliança


Vi batelões com lemes desfigurados
Noites acuradas por cantos e violões
Vi versos simples, tesos e insólitos
Endereços de pessoas forjadas
Em trabalho bruto, mas honesto
E farto.
Vi moças lindas com vestidos simples
Extraordinárias faces, sorrisos largos
Falando coisas sérias e hilárias,
Ramos de feijão, feira de domingo
A cachaça boa do Zé da Esquina.
Vi cabelos brancos desenhados
Como num espelho, sem receio
Sem pintura, o relógio do tempo
Lembrando que o tempo acaba.
Vi decência.

Esquadrilha


"Nada de estender a vida, como muitos desejam. Se eu pudesse escolher, eu preferiria esticar a juventude.» Zuenir Ventura, Melhores crônicas (2004)


Quem sabe um dia ganharei as estradas
Levando de pronto
algumas cismas

Ou navegarei este vasto corpo
Fosforescente
em sua agonia de mar

(No norte,
a bússola não funciona
Marinheiros se perdem,
levedados

No sul,
morenas exóticas dançam
A dança da morte
e da noite inteira)

Quem sabe
toda esta musica que ouço
Não vem de outro canto,
invisível?

A ela me entrego,
sinuoso mar
Esquadrilha da fumaça
em pelo ar

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

Imagem d'água

Era tão leve
que se divida em espirais
um astro
mostrando músicas
nunca inventadas.
Era tão leve
que mesmo ventando
agarrou-se
ao grão suculento
da horta
e misturou-se
notas desenhadas
por um toque
ameno de momento.

Carmesim


A cada crepúsculo tenho medo
Sons majestosos da vida ao meu lado,
Serrotes, cães latindo, um móvel
Sendo arrastado na casa vizinha
Os anos marcados já em meus cabelos

Dos símbolos alguns temo mais
Vermelhas tardes com céu carmesim
Luzes coruscantes nas poças d água
Carros buzinando ao longe
A avenida subitamente vazia

A cada minuto, a cada passo
Uma série imensa de sinais
Letras sendo desenhadas a esmo
Num longo poema de vida e morte
Frases inteiras de eternidade e pó