terça-feira, novembro 27, 2007

Minha casa na Rua Acre, em Andradina

Cresci nesta casa na Rua Acre. Quando meu avô a construiu nos idos de 1966 era de madeira, depois foi vendida e reformada.
Muitas saudades, muitos momentos felizes passei nesta casinha simples onde vivi até o dia 05 de janeiro de 1974, quando vim para São Paulo.

Até hoje deve ter muitas bolinhas de gude enterradas ali por mim. Será que ainda existe o pé de manga que plantei no fundo do quintal? E meu pé de laranja? Será que ainda existe? Qualquer dia tomo coragem e pergunto para o novo dono.

segunda-feira, novembro 26, 2007

Na visão de um caipira

Como caipira entendo
Que gado somos todos
Na malhada do pasto
Mugindo em alto som.

Andando em lento cerrado
Como gado mugimos
O gozo da vida rala
Escorrendo pelos cantos.

Como caipira entendo
Que gado bom não berra
Ou muge, ou se avença
Como qualquer eito.

A paz do pasto nos alivia
Esfarrapa e estropia
Marca a dureza do ferro
Na carne posta à venda.

O lento passo do frio
Na ocasião das touradas
Traz-nos palha e pavio
Que limpam as beiradas

Como caipira entendo
Que a dor de existir é pano
Dinheiro cru e enfeitado
Com que à revelia me vendo.

sábado, novembro 24, 2007

A cidade e suas múltiplas formas

Em meu sonho a cidade noturna
Incongruente com suas catedrais
Lembra um copo com suas fachadas
Suas proas boquiabertas
Seus flancos amurados e vermelhos
ruas longitudinais.

Em meu sonho a cidade é enseada
Mergulhada em um ou mais preâmbulos
O céu de uma infinitude cética e urgente
Como um alto mar em relevo
Camisa de seda arroxeada
mulher de sexo impudente.


Orlando suas ruas e suas dobras
Percebe-se o contexto amargo
De sua grande ingenuidade:
Através do quarto enluarado
Pássaros excitados procuram
O que há de invisível na cidade.

Em meu sonho – através dele, talvez
De suas possessivas formas -,
Semelhante imagem se distorce
Como serpentinas em carnavais
Caiada de branco em sua posse
num quadro que não existe mais.

quarta-feira, novembro 14, 2007

A marca - De malas prontas para Andradina

Preparo-me para a viagem
Coloco na mala camisas, calças,
roupas íntimas e brancas.
Logo mais à noitinha, os carrilhões se movem
Trevas se iniciam, figuras são lançadas no meu rosto,
Sinto o peso nos ombros.

Em meu hemisfério a viagem é indefinida
Nada mais que um ponto transitório no espaço
Singular desenho, o homem que retorna ao seu umbigo.
Essa esperança tenho, mesmo que não compreenda:
Há uma marca em mim
E a tradução é só uma emenda.

Ponta-cabeça

Pelas paredes laterais surgem crostas
Desenhos, pequenos ponto anelados
Mostrando garatujas de um menino
Dimensões que jamais se conheceu

Quanto à forma as letras são simples
Existem num estado de lassidão
Janelas circulares e hesitantes apenas
Estreitamente escritas durante a noite

Parece um nariz que o menino cospe
Navios desenhados de ponta-cabeça
Instrumento muito amplo e mergulhado
Viagem de regresso para um mar maior

Sem solução

Muitos foram aqueles que me chamaram
E colocaram pedras, construíram casas
Como navalhas

Muitos ditaram sílabas em noites quentes
E se prolongaram para a frente da areia
Gesticulando golpes

Muitos se postaram ao meu lado
Mas meus sentidos não garantem rede
Arcos ou coberturas

Muitos foram aqueles que num segundo
Prometeram a morte dos seus sentimentos
Sem solução para este mistério

Muitos – milhões -, mostraram-se transpostos
E foram apenas morte, escuridão
E imobilidade

No final, a vida não é uma resposta

quarta-feira, novembro 07, 2007

Tramas de Sirius

Tal qual a morte do divino corpo
Sirius sangra o céu de novembro
Pintando de cinza as cores sutis

Tal qual a morte do eterno manto
O pó do tempo destila seu sono
Arrastando assombrosas teias

Mais de mil navios pintam a noite
Tecem lãs de doces tramas
Pavilhões de muros atrelados

Tal qual a morte em eterno sopro
Tal qual a vida em silente vinho
Percorro só este vago caminho

segunda-feira, novembro 05, 2007

A confissão de Polidoro

Por ordem da Deusa
apertei meu elmo
cingi meus lombos
e combati milhares

Antes do sol, as pétalas
trilhas emaciadas
por pés de escravos
a quem não libertei

Construí colunas
entre os mares de Zeus
ergui muros e templos
corrida de tantos pés

Por ordem da Deusa
destruí muralhas
atirei-me em abismos
sacrifiquei bois e pássaros

Nada me feria, nada
comandei frotas pelo Egeu
atingi cumes e fronteiras
roubei o fogo divino

Por ordem da Deusa
combati à esquerda
e à direita tombaram
heróis de ferro e aço

Golpeei povos
calquei meus pés
em caminhos de fadas
prata e doce alabastro

Por ordem da Deusa
destrocei corações
em países do crescente
entre projéteis inimigos

Por ordem da amada e santa
Deusa e senhora dos tempos
aqui estou, herói sem elmo
sem punhal ou lança

Nem Páris nem Heitor
tiveram o destemor
de buscar para si
a dor da espada

Nem Ájax nem Menelau
construíram navios potentes
dos lares desterrados
nem de lança insolente

Aqui estou sem corcéis
nem jóias ou infantes
sem rubor nem palácios
ou poder das falanges

Aqui estou em corpo destronado
soldado que não mais tenta
fugir de si ou da Deusa
fugir do mar ou da santa

Só me restou o corpo
ó Deusa imortal
e o sangue coagulado
a mim próprio reduzido