quinta-feira, novembro 01, 2012

PACIÊNCIA


                                        Foto de Mauro Pereira da Silva - Promissão, São Paulo (Rio Tietê)

Só digo bom dia depois de ver o sol.
Sou muito paciente, mas quando acaba, acaba.
O tempo é minha maior fortuna.
Tenho vergonha de chorar no cinema, mas choro se estiver escuro.
Sou descomplicado: acho uma revoada de andorinhas um show imperdível.
Minha timidez pode passar por arrogância,
Mas ainda sorrio quando vejo um pássaro
Fazendo festa na calçada.
Amo corredeiras, pracinhas, rododendros jogados
Na beira das estradas de minha terra.
Meu coração é coração de caipira, sempre
E disso, não abro mão, por riqueza nenhuma:
Pôr-de-sol deslumbrado de vermelho
Louco de pintassilgos, de cantos e cantares.

(Entre Bauru e Lins, na Rodovia Marechal Rondon, vendo um pôr-de-sol inesquecível)



domingo, outubro 21, 2012

MINHAS FRONTEIRAS

Minha primeira máscara caiu e quebrou-se. Era de plástico, construída sobre a esperança e tinha os desenhos azuis da inocência. A segunda, também não durou muito: brincou com mulheres, gritou ao som de músicas, altas horas da noite perambulava pelas ruas em busca de algo etéreo e valioso que nunca encontrou. A terceira, era de bronze, cor do âmbar flamejante como a espada de Gabriel. Grudou-se em minha face com tanta energia que parecia ter nascido comigo. Mas um dia, também quebrou-se, virou pedaços de lágrimas, escuridão e medo. A máscara que tenho hoje mesclou-se a mim. Não há limite que diga onde termino e onde ela começa. Vive aos risos, ironicamente mostrando os dentes e os olhos pusilânimes de um esteta. Apossou-se de minha face. Apossou-se de minhas falas. Na verdade, ela hoje delimita minhas fronteiras e assim vivo, mesclado ao que sou e ao que não sou, equilibrista de um circo de horrores.

sexta-feira, outubro 05, 2012

QUASE HUMILDE

   Foto de Mauro Pereira da Silva - Entre Rios, Itapura, Fronteira do estado de São Paulo com Mato Grosso do Sul

Entre a nuca e o ombro
Tem um esconderijo
Uma fogueira ainda em brasa,
Cheirando a fim de dia,
Começo de noite.

Entre os cabelos,
O improviso da língua,
Desliza na dobra cálida
De um canto ameno.

Intensamente largado
Quase humilde
Em seu braseiro.

quinta-feira, setembro 06, 2012

UM TRAÇO


                                          
                                Foto de Mauro Pereira da Silva - Pitangui, Minas Gerais

A voz quase inaudivel procura cristais
Suficientes caldos que descobrem trens antigos
Jogados em uma velha estação.
Cercada de beleza os quadros pintam cenas
Que eu sei, já se foram, em longinquas valsas.

Quando cheguei, a tarde declinava, o sol
De domingo qüarava roupas em quânticas
Fórmulas, simplificadas em bilhetes curtos.
É só forçar os olhos para se ver as mãos de Deus
Desenhando tudo, de pequenas cores até
Absurdos mantras radicais.

Vagos planos me trouxeram.
Fotos desfocadas iniciaram roteiros
Preso a datas longiquas, manhãs de sol,
Ruas empoeiradas e hoje ilegítimas.

Mas sou protagonista e inicio um gesto
Ligo o que vejo, ouço e penso a tudo isso
E os trens, o bairro antigo, calçadas que pisei
Compõem um traço do que sou, talvez
Desbotado pelo tempo, mas sem duvida,
O melhor exemplo de mim mesmo.

EXTERIORIDADE



Foto de Mauro Pereira da Silva - Extrema, Minas Gerais

Tenho desejos esquisitos pela manhã, afã de um princípio qualquer de leveza, tentativa de ver além do que vejo, a visão crua do dia, do sol invadindo as macieiras, dos homens carregando enxadas e assobiando uma canção qualquer. Tenho desejos estranhos de macho, a poesia permanente á beira de minha cama, uma luz filtrada pela fresta da porta me avisando que o mundo exterior ainda existe e que eu, queira ou não queira, estou inserido nele, minha prisão e meu medo.

UMA IMAGEM DO TREM E DO DIA

                                    
                            Foto de Mauro Pereira da Silva - Pitangui, Minas Gerais


O trem passava ao meio-dia.
Pros lados da linha,
Uma eternidade de sol e pedras,
Braços acenando,
Sorrisos esperando o almoço.
Quando havia geada o capim brilhava
E meu avô me mandava cuidar das cabras,
O leite, sagrado, da família.
Ainda me dói aqueles dias,
De sol e canto,
De mãos e pelejas
Os bichos que corriam às vezes
Sob a luz da tarde que mais parecia
Uma lanterna de Deus,
descerrando a noite.
As ruas desatavam cores,
Com uma agilidade gritante
Felizes eram os dias.
Pros lados da linha,
Marcados pelo apito intenso do trem
Que passava, cantarolando nos trilhos,
Levando passageiros
Ninguém sabia pra onde.


sábado, agosto 18, 2012

Poema a São Paulo, capital dos paulistas


Ainda morrerei nesta São Paulo complexa e ambígua,
Vastidão de cimento e aço, devoradora de homens e mulheres.
Ainda morrerei aqui, ilhado pela sua espessa harmonia, pardas noites,
Filhos gritantes e escandalosos, carros zunindo em altas horas da madrugada.
Ainda morrerei nesta cidade imensa, adorada por Nordestinos, detestada por Cariocas,
Que o Centro-Oeste desconfia, o Norte só vê pela tevê e os Sulistas esnobam,
Mas que o Brasil respeita e teme.

Ainda morrerei nesta ilha de riqueza e luxo, de pobreza e morte, de dores urbanas
Lixo e luxo, grana e glória, cidade onde – Brasília sabe -, está realmente o Poder:
Aqui se constrói e destrói, simultâneamente, aqui se chora e ri, simultâneamente,
aqui, se morre e se vive entre dores de parto, filhos que somos desta colméia infinita e poderosa.
Ainda morrerei aqui, cidade maldita e amada, puta e santa.

Ainda sentirás o gosto do meu sangue, dos meus ossos, caipira que te adotou
Como cidade amada, concubina, mãe e senhora dos meus dias, onde trabalho e vivo.
Ainda morrerei em tuas ruas, em plena Paulista, ou em qualquer canto obscuro
E nefasto de tuas ruas e minhas cinzas, de Vila Alpina,
Se espalharão noite adentro pelo seus vales e avenidas, bueiros, bares, escritórios.
Ainda morrerei nesta São Paulo de paulistas rápidos e eficientes,
Bons de negócio, ligeiros em suas conquistas: práticos, como só os bandeirantes sabem ser.

Ainda morrerei nesta cidade que molda espíritos em aço, mescla raças,
Onde japoneses namoram loiras, loiras namoram mulatos e a cor da pele não é importante.
Cidade de muitos corações, onde povos e raças se unem em uma só palavra: cordialidade.
Ainda morrerei nesta São Paulo fatídica e noturna, invadida pelos carros,
Desnorteda pelo seu próprio caminhar, ás vezes por tantos contratempos
(metrô, greve, enchentes, chuva, Marginais paradas, a passeata que ocupa e invade).

O meu ódio por ti, só é superado pelo imenso amor que te tenho, cidade maldita,
Que reveste minhas veias de paixão e maciez, de luzes e sons, de pizzas, shoppings, arte e cultura.
Cidade inequívoca, capital de um estado que um dia tentou derrubar o ditador Getúlio,
Onde um dia Mario de Andrade em plena Revolução de 32, disse:
“Eu daria tudo para que São Paulo se separasse do Brasil”.
Mas eu pergunto, mestre Mário, como poderia o Brasil viver sem seu coração?

Ainda morrerei nesta cidade. E em mim, resta a esperança de que meu espírito aqui permaneça,
Sentindo como sinto agora o peito cheio de respeito por esta cidade que nos engole, mistura, mescla,
Mas ao mesmo tempo nos espanta e consagra:
Teu nome é imensidão.



terça-feira, agosto 07, 2012

RISCO

Teu corpo é branco, liso.
Cânion meigo e suntuoso, neve impressa no ocaso do dia.
Ninguém à vista, só a largura imensa dos teus flancos.
Expressão de chuva, batuque de valas,
Mina de ouro enchendo vagões pra lá de extensos.

Teu corpo – risco, golpe, labirinto - , é som de picos, claridade e neve,
Gente falando em domingo de ruas.
Caminho errado talvez, trilha perigosa,
Placa impenetrável que nos indica ventos.

(Era larga a rua. Um feroz e selvagem sol caia sobre o bairro.
Plantas cintilavam com uma gentileza quase feminina,
De corpo esguio,
De ferozes cores arrastadas pelo chão de terra).

Já não tenho medo.

domingo, julho 08, 2012

SANTA CECILIA, DOMINGO

Foto de Mauro Pereira da Silva - Antiga estação de Planalto (Andradina), Estado de São Paulo.

Em Santa Cecília.
Domingão, passarinhos, carros, vozes.
Uma confusão de sons, cores, lembranças.
A chácara de minha tia, o gramado do seu Dinho.
Valdir, João, Mauri, a bela Rita.
Imaginei? Serão apenas criações de minha mente?
Mas o que vejo, não destoa.
A voz de dentro ainda está viva,
Ainda soa.

ATIBAIA - PEDRA GRANDE



sexta-feira, junho 29, 2012

SOL E CHUVA

Foto de Mauro Pereira da Silva - Planalto (Andradina), Telhado da antiga estação ferroviária.

Um verso enfeita o peito
E evidencia a guerra
Que se trava,
Entre as viagens
E os sóis.

Chove.
Apenas homem,
Por demais sensível,
Olhando as gotas
E os raios
Na tarde sumindo
Atrás da zona leste.

A VELHA CASA


Foto de Mauro Pereira da Silva - Fazenda dos Prado, Horto Florestal de Rio Claro, Estado de São Paulo


Havia um ponto e depois mais nada. Luz a caminho do mar, um pássaro ausente, grandes estações incrustadas na estrada nua, Deus agindo silenciosamente com todo o seu esplendor. Não há mais ausência na noite, não se sente mais a cidade, a lenta caminhada do presente, o tempo deslizando pelas calçadas para sempre. A casa do meu ser – mesmo não iluminado, mesmo inconformado -, ainda existe. E dentro dela (esta casa ainda descolorida, ainda precisando de uma demão de beijos),  a permissão para ser eterno naquele exato momento.

quinta-feira, junho 28, 2012

AO POETA MARIO QUINTANA

                                   Pedra Grande, Atibaia, Estado de São Paulo

Olha só, eu não sei exatamente porque escrevo.
Mas um dia um poeta disse que, mesmo se existisse,
Sozinho, no planeta, em meio a arvores e solidão,
Pedras, mares, chuvas, rios e montes,
Sem nenhum outro ser humano como amigo,
Ele escreveria.
Para aplacar sua dor.
Mas que dor?
A dor de olhar e ver.
A dor de Ser
A dor imensurável de saber-se finito,
E de que um dia, todas as coisas morrerão,
Quando fechar os olhos.
Dói existir.

quarta-feira, junho 27, 2012

DRAGÕES E DEUSES


                         
Foto de Mauro Pereira da Silva - Proximidades de São Jose do Rio Preto,  estado de São Paulo

Vejo algumas manchas no céu:
Dragões, deuses, aeronaves vermelhas,
Como meu coração em flor.
Vejo cores, vejo estrada.
Vejo os olhos marejados de um velho
Que não tem mais tempo.
Vejo meninos, amadas, lírios, construções antigas.
Velhas estações abandonadas da Alta Sorocabana.
Vejo um padre, a aurora que se encerra, o tempo
Se esvaindo como areia entre meus dedos.

Além do espaço, as algas que se enroscam feito laços
Desenhando neste mar de nuvens coisas
Que não entendo, mas não é preciso.
Porque estão em meus pulsos,
Olhos, boca e mansidão.
Estão em minhas veias:
Um furacão.

quinta-feira, junho 21, 2012

COLEGIAL


    Foto de Mauro Pereira da Silva - Algum ponto próximo a Rio Claro, estado de Sp.

Este poema foi escrito no ano de 1982, nos meus 20 anos.
Faz parte do livro "A visão do poeta do além da porta".

Era um tempo em que as águas se faziam verdes,
As calçadas eternas.
Meus irmãozinhos brincavam com o vento
E as estrelas eram contos de princesas.
Mas eu ainda não me esqueci dessas coisas:
Dos meus sapatos de estudante,
Minha calça azul-marinho
Meus poemas guardados na estante
Perdidos
Tão perdidos
Quanto eu.

segunda-feira, junho 11, 2012

UMA HISTORIA


     Foto de Mauro Pereira da Silva - Rio Tietê, próximo a Promissão, Estado de São Paulo

O amor é inteiro oferecido,
Ao primeiro barco sobre um rio
Uma tradução de Deus, o espírito sobre as águas,
Manso e perpendicular, como uma vela do barco.

As coisas acontecem, os dias se alongam,
Depressa o amor viaja, águas, sereias, Ulisses,
Lutando contra o canto, a visão da vida e seu
Ponto final, a morte. Resgate de amor e grito.

Mas o amor, este, sustentado pelo rodar enorme
Da vida, este sim, penetra as águas,
E como o espírito de Deus, se mantém no ar,
Em sua leveza condenado a ser sempre só.

Da mesma forma o barco solta e se balança
Sobre as águas deste mundo, esperança de muitos,
Canal de riso e sonho, resgate da alma e seu pó..
O amor é oferecido e quem quiser, que o ame.

quinta-feira, maio 31, 2012

ENTRE PROMISSÃO E LINS


      Fotos de Mauro Pereira da Silva - Em algum ponto entre Promissão e Lins, interior do estado de São Paulo - 27/05/2012

Frio na estrada.
Outono
Os carros na neblina que ja se pronuncia
O desenho da roça,
os telhados vermelhos.
Sol se debruçando
Pelas casinhas mal-ajambradas
Mas felizes, em suas cores
pastel e cor de sangue.

sexta-feira, maio 18, 2012

UM DIA ELA ME OLHOU E DISSE


                              Foto de Mauro Pereira da Silva - Mirassol, Estado de Sp, abril/12

Especialmente para você

Um dia ela me olhou e disse:
As flores na janela,
Você viu as flores hoje?
E eu disse:
Sempre as vejo, lindas flores.

Mas você não viu nada mais nelas, hoje?
Ela disse.
E eu olhei para as flores,
E vi que as flores estavam do mesmo jeito
De sempre. Como flores.

Olhei para os olhos dela,
E vi, no canto simétrico dos olhos,
Aquela luz, de tantos anos.
Aquela luz, de tanto brilho,
Que a fez especial.

E dentro daqueles dois universo de sóis e luzes,
As pupilas lindas e claras,
Rodeada por rododendros,
Lírios, rosas, decorados por arrebóis
Vermelhos e lilazes, em explosões,

Matizes de azul, combinando
Com a tarde e a noite, o dia caindo.

E eu disse, extasiado,
Elas estão como sempre foram.
Como flores.

quinta-feira, abril 05, 2012

ALÉM DO PARANÁZÃO

     (Foto de Mauro Pereira da Silva - Rio Tietê, quase na fronteira entre São Paulo e Mato Grosso, nas proximidades de Itapura, quando o poderoso Tietê une-se ao Rio Paraná)



(Minha modesta homenagem a Três Lagoas e suas vizinhas:
Ilha Solteira, Itapura, Guadalupe do Alto Paraná e Jupiá)


Um grande círculo rasga o céu para os lados de Mato Grosso
Desenhos sangrando rastros na divisa do Rio Paraná,
Onde a fronteira do possível dá outra perspectiva
Lente distinta de focos e pequenas lanças projetadas
Entre pontas de arvores, pedras sinuosas e rosas.
Morreu algo, percebo, mas não defino exatamente
Se o pequeno foi engolido pelo imenso
Ou se tudo aquilo é pleno de vida, mesmo assim
Transformado em água e gravetos jogados.
Em Três Lagoas, a imagem do Cristo quer ser carioca
Braços abertos apontando a cidade plana e azul
De asfalto, de gente, de carros e burburinho.
Parece de certa forma um cais de promessas
Granjeiros, homens hirsutos com suas botas
Seus chapéus panamá e calosas mãos de trabalho.
Mas me amedrontam as tempestades deste
Centro-oeste bravio e sedutor, farto de grãos e gado.
Me amedrontam as planícies imensas de soja e pasto
As estradas que não se findam, o sol causticante
Que nos projeta em várias figuras cansadas e sedentas.
A visão que tenho não é a visão de paulista cego
Pelo asfalto e suas lamparinas fosforescentes.
Olho com os olhos de filho da terra, talvez ainda
Desconfiado diante do verde violentamente belo
E das mocinhas morenas desfilando em suas bicicletas.

domingo, abril 01, 2012

UMA VOZ

Foto de Mauro Pereira da Silva - Rio Claro - São Paulo
Fazenda dos Prados, dentro do Horto Florestal

Voltei como uma recordação na estrada.

Ela não estava mais lá.
Uma voz dentro me dizia:
Destrói teu sono, apressa-te e constrói a noite.
Mas havia uma porta corrediça e jogos,
E choro e morte e a terrível mão do tempo,

Desejei que o dia passasse, que a vertigem silenciosamente branca
Fosse depositada no assombro.
Havia uma coisa qualquer sobre a mesa.
Fiquei só e imóvel.

E ninguém, através das pontes e dos rios,
Que se fizesse sol ou porta,
Me salvou desta grande noite.

A MOÇA ATRÁS DA JANELA

Foto de Mauro Pereira da Silva - Mandirituba - Paraná

Ela não respondeu.
O prelúdio era a noite
E braços se estendiam em sacrifício pelas ruas.
Já houve um mar, há tempos,
Hoje há apenas um rio e grama,
E quedas estreitas neste mar silencioso.

Ela despencava no sagrado, bela,
Objeto do meu desejo, eu que sou
Espectador deste mundo coberto
De urzes e furacões.

Vejo-a, mas, exasperado pela sua
Pouca compaixão, jogo meu anseio
De imediato e anterior, pelo tempo,
Deliberado e intrínseco.

Um rio se alarga em meus lombos:
Um fogo queima, insone.
Uma casa impossível adormece.

quarta-feira, março 28, 2012

TIRAS DE SAUDADES

Paranapiacaba - Santo André - São Paulo
Foto de Mauro Pereira da Silva

Eu gostava de rocambole,
A glória de comer um escondido
Me deliciando com a massa macia
Recurva, que se derretia na boca.
Havia sinais de viagens, romances, álbuns
Meu selos cuidadosamente guardados
E alguma coisa dentro, uma esperança do dia seguinte.

Florestas e heróis, bala sete belo, aquários dos amigos
Dimensões enormes dos dias, que eram sempre ensolarados.
Todos acreditavam em Django, Sartana, no velho cinema da praça.
Das profundezas saem as malas feitas de tiras de saudades,
Em ritos, eu sei, que só eram mágicos dentro de mim e do sol.
Mas eu gosto tanto.

domingo, março 25, 2012

COM O PENSAMENTO EM ANA CRISTINA CÉSAR, POETA MAIOR

Interior de Santa Catarina
Foto de Mauro Pereira da Silva

Soube que ela havia se suicidado e sequer deixara uma carta.
Sentí muito. Seus poemas eram como um soco no estômago.
Desfiavam linha por linha os enigmas desse eterno esconderijo chamado homem.
E fiquei pensando:
como pode um poeta cair no lugar comum dos idiotas?

(A vida deve ser desmembrada como uma frase
e reconstruida
unindo-se palmo a palmo linhas que
apesar de tênues
fixam no âmago a necessidade de viver
e de não querer chegar ao fim
sem a precisa consciência do meio).

Que a paz esteja contigo, Ana.

O QUE É COLORIDO

Florianópolis - Santa Catarina
Foto de Mauro Pereira da Silva

Dura apenas um momento, o mágico toque dos teus dedos. No verão, aguardo uma mensagem tua trazida por garrafas recolhidas por bêbados e marinheiros. Queima dentro de mim a tua imagem, o teu desenho etéreo, fantasmagórico. A porta do quarto se estilhaça e embrulhos soltam-se dos lençóis: sinais convencionais já não resolvem a tua falta. Janelas fecham-se, trancam-se calhas de madeiras. Já é hora de perceber, amada, o desfazer-se da loucura que é tua ausência. O que é colorido torna-se preto-e-branco, sem sentido, sem sentido.

sábado, março 24, 2012

IMPRESSÃO

Florianópolis - Santa Catarina
Foto de Mauro Pereira da Silva

Era um homem.
O rosto no portão branco da casa era um
Pergaminho,
Caminho apaixonado de letras e poemas.
Uma pintura.
Onde o tempo escrevia e apagava.

Dentro de si as borboletas gritavam como pássaros

AS ANTIGAS PORTAS

Ponta Grossa - Paraná
Foto de Mauro Pereira da Silva

Trazem a comida, silenciosamente.
O burburinho das risadas impregnam o ar,
Tirando das toalhas o vincos de medo.
Toda a rua se enche de fogo, pés desenhando
Pontos de exclamações e fugas.

Não importa o mar.
Barricadas na planície de pessoas
Erguiam ondas letais, maquinas espantosas
Que convertem as pessoas e seus sonhos.

Eles comem a comida. O Deus que perseguem não está
Onde procuram.
Não está na praia, nem no campo, nem no céu.
Tem apenas movimento, esses homens em sua busca.

Bebem e comem, porque amanhã morrerão, pensam.
E inventam um Deus, inventam uma fogueira,
Inventam um tecido espantoso e complexo.
Mas Deus está morto, não há Deus,

E o campo se fecha porque não tem luz nem lanterna
Que os ilumine.

NA FRONTEIRA


Por dentro um silêncio de igreja vazia,
Tarde na roça, perto do rio e sua folhagem.
Um inverno que começa e seu silêncio,
Uma safra de trigo completamente madura
Um silêncio amarelo de flores e ondulações.

Por dentro um silêncio de pano roxo
Uma coisa diferente de nossa chuva
O solecismo perdido nos rincões da palavra
O silêncio da palavra. O silêncio da cidade,
Que é apenas uma estação de mim mesmo.

Pedaços de silêncio desenhando um pôr-de-sol
Caindo sobre a estrada cheia de carros e gritos
Vento fresco, um quadro escancarado da alma.
Um silêncio que se quebra e se pronuncia
Melhor do que eu, melhor do que o que sou.