segunda-feira, junho 30, 2008

Exercício de Final de Noite

(Autor: Nuno Lobito - Portugal)
O trabalho deste artista pode ser visto em:www.olhares.com/nlphotographer


Parte 1. A ordem dos cortes.
A diferença
Entre o curto e o longo
Resulta sempre em espaço
A ser percorrido
Pela palavra lançada.

Proposto em juízo
A flor extrema
Se conjuga em solos
Cortes profundos
Na carne exposta.

Decresce o estanho
Apta devoção caída
Entre matérias postas
Sulcos, golpes, lascas
Entre o anular e o médio.

A diferença, doce
Inquieta, trigueira
Prescreve remédios
Próprios das dores:
Ordena, corta, declina.

O mal feito açoite.


Parte 2. O Deus como norma.

Escoa-se o tempo
Urge que flor se faça
Entre o dia e noite,
Penumbras.

Urge o tempo
Que os nomes decaiam
Seus corpos versáteis
Poemas incompletos.

Determino girassóis
Como cura rápida
Espáduas firmes
Depois dos golpes.

Arresto a casa
Onde o sol vislumbra
Eiras e beiras, luzes
Conforme o decoro.

Diminui, cede, expira.
O corpo declinando
Eleitas formas, deuses
Resistindo a tudo.

O Deus
Manifesta-se
Como poeira
E decimais, e ri-se.

Como todo Deus.

A minha outra face


(Criação: Paulo Cesar Eu - Lisboa - Portugal)
Foto:Almada, junho 2007
Modelo: Gymmer

Visitem o trabalho deste artista em:
www.anjosdeasastombadas.blogspot.com/
www.paulocesar.eu/

msn : pcesar1972@hotmail.com


Dizem que minha melhor face
É aquela que desenha
Uma andorinha
Num vôo rasante
Ao cair da tarde.

Dizem que minha melhor face
É aquela impressa em cordão de ouro
Em estado de cura, em cores
De Luxe, loucas ao calor
Do fogo.

Dizem que minha melhor face
É uma camada de brasa
Arco e flecha,
Gênios infantis criando sonhos
Em espelhos.

Mas eu digo que minha melhor face
Ainda não foi vista nem será
Para que ninguém possa,
Curá-la, alimentá-la,
Peça em bronze ou aço.

Para que ninguém possa, ridiculamente
Faze-la novelo, flocos de algodão
Molhado, cristais qualquer
Louvados em vozes roucas
E líqüidas de outono.

Para que ninguém me veja, assim, despido
Caído em marquizes desbotadas
Desnudo em minha essência
No solo ferido, submetido a risos
E falsos elogios.

Para que não se façam ídolos,
De barro, marcas duradouras
Marcas cunhadas em mim
Numa outra imensa e solitária face
De outro homem, que jamais serei.

domingo, junho 29, 2008

Grisalho, já





Uma barriguinha insiste em aparecer....acho que vou usar o fotoshop).
Obrigado a quem deixa seus comentários.
E também a quem me manda emails.
Suas opiniões são importantissimas.
Sei que os textos precisam de acertos, alguns realmente não tem mais remédio .....rrssss
Mas obrigado a todos, de coração.
Fiquem com Deus!

"Tempo perdido não se recupera." — Praeteritum tempus umquam revertitur

sexta-feira, junho 20, 2008

Eu e meu Pai


O pai me disse:
Anda.
E andei.

Reina agora um silêncio
Tão profundo
Que já não respondo
Por mim.

O pai me disse:
Vai
E fui.

Homem solene
Ferindo as ruas
Acendendo fachos
E desgostos.

O pai me disse:
Olha.
E olhei.

Mas o que vi
Jamais vi direito
Guerras e ouvidos
Moucos.

Lutas e famílias
Enormes arrastando-se
Em transe.

Jarros de dores
Holocaustos
Confins de mundos
Que nem mesmo
Meu pai
Viu ou foi.

Mas meu pai disse:
Fica.
E fiquei.

Despojo de guerra
Refugiado
Numa cidade
Longínqua
A qual não mais pertenço.

Mas já não temo.

quinta-feira, junho 12, 2008

Arte e Isadora Duncan








Em São Francisco, em 1878, Isadora O’Gorman Duncan, senhora muito ativa e que tocava piano com muito gosto, resolveu divorciar-se do marido, o distinto senhor Duncan, cuja conduta foi, ao que parece, muito pouco delicada. A questão afetou-lhe tanto os nervos, que disse aos filhos que o estômago não suportava senão um pouco de champanha e ostras. E no meio do ressentimento, das acusações e dos desgostos domésticos – num mundo de pensões iluminadas e gás e mantidas por belezas meridionais arruinadas, magnatas ferroviários e porta giratórias, de bebedores de uísque que mascavam cravo para que lhes notassem o mau hálito e escarradeiras de lata, carros de quatro rodas e cinturas justas, de desocupados e vestidos compridos, de muitos babados e cauda (num mundo no qual salas de conferências e de concertos davam direito a chamar-se senhoras cultas e constituíam o centro da vida daquele que tivesse aspirações) – teve uma filha a que deu o próprio nome:Isadora.

O rompimento com o senhor Duncan e a descoberta de sua duplicidade, converteram a senhora Duncan em feminista fanática, em atéia e apaixonada entusiasta das conferências e artigos de Bob Ingersoll. Onde estava escrito Deus, lia Natureza; onde estava escrito Dever, beleza; e somente o homem é vil.
A Senhora Duncan lutou muito para criar seus filhos no amor à beleza e no ódio aos coletes, às convenções e às leis ditadas pelos homens. Deu lições de piano, fez bordados e teceu chalés e luvas. Os Duncans estavam sempre cheios de dívidas. Deviam sempre o aluguel da casa.

As primeiras lembranças de Isadora eram as de adulações aos vendeiros, açougueiros e proprietários de casas e a venda de gulodices que sua mãe fazia, de porta em porta, e ajudando a tirar as maletas por uma porta dos fundos, quando tinham de passar calote nas pensões, uma atrás das outras, todas pobres e com muitas pretensões.

Os pequenos Duncans e a mãe formavam um clã: os Duncans contra o mundo grosserio e sórdido. Não eram católicos nem prostestantes, nem quakers, nem batistas; eram artistas.

Ainda pequenos, os meninos chamavam a atenção da vizinhança, dando representações teatrais num celeiro. Elizabeth, a mais velha, dava lições de danças de salão. Como eram do Oeste, o mundo lhes parecia uma quimera. Não se envergonhavam de mostrar-se em público. Isadora tinha olhos verdes, cabelos avermelhados e um pescoço e uns braços magníficos. Como não podia pagar as lições de dança, inventou sua própria dança.

Mudaram-se para Chicago. Isadora dançou na festa organizada pelo Washington Post, no jardim do templo maçônico e conseguiu um emprego de cincoenta dólares por semana. Dançava nos clubes. Foi ver Augustin Daly e disse-lhe que havia descoberto a Dança. Em Nova Iorque, fez o papel de fada, numa representação de Sonho de uma Noite de Verão, com Ada Rehan.

Os Duncans seguiram para Nova Iorque. Alugaram uma grande sala em Carnegie Hall, puseram colchões nos cantos, penduraram cortinas nas paredes e fundaram o primeiro estúdio de Greenwich Village. Estavam sempre com medo de que a policia os apanhassem. Passavam a vida bajulando os comerciantes que lhes apresentavam as contas, fazendo a dona esperar pelo aluguel e arrancando dinheiro dos ricos. Isadora organizou recitais em Ethelbert Nevin. Interpretava, dançando, os poemas de Omã Khayyam, para as senhoras da sociedade de Newport.

Quando o Hotel Windsor se incendiou, perderam todas as cousas, inclusive as contas que deviam, e embarcaram para Londres num navio de transporte de gado, fugindo do materialismo da América.

No Museu Britânico, descobriram os gregos. A Dança era grega.
Sob as fumarentas chaminés de Londres, nas praças cobertas de fuligem, dançaram com túnicas de musseline, copiaram atitudes das ânforas gregas, percorreram galerias de arte, assistiram a conferências, concertos e representações, encheram-se, num inverno, de cincoenta anos de cultura vitoriana.

Sempre que eram postos para fora, por não pagar aluguel, Isadora os levava para os melhores hotéis, alugava uma série de salas e ordenava aos criados que se apressassem em servir lagosta, champanha e frutas que não fossem da estação. Nada era bom demais para os artistas, os Duncans, os gregos. E a frescura de Isadora encantava à Londres do século dezenove. Dançavam em festas de aristocráticas mansões de Kesington e Mayfair. Os ingleses, do Príncipe Eduardo para baixo, sentiam-se escravos de sua beleza pré-rafaelita, de sua inocência cheia de vida, de seu sotaque californiano.

Depois de Londres foi Paris da Exposição Universal de 1900. Isadora dançou com Louie Fuller. Era ainda uma virgem muito tímida, para compreender as insinuações de um Rodin, o grande mestre, que então se achava inteiramente desconcertado com as extravagâncias do bando de moças aloucadas e homossexuais de Louie Fuller. Os Duncans eram vegetarianos, desconfiavam da vulgaridade, dos homens e do materialismo. Raymond fez sandálias para todos. Isadora, sua mãe e seu irmão Raymond, correram a Europa em sandálias, com véus à cabeça e vivendo a vida grega da natureza numa sinfonia de contas a pagar.

O primeiro recital de Isadora teve lugar num teatro de Budapeste. Depois disto, tornou-se a diva e teve uma aventura com um ator. Em Munique, os estudantes desatrelaram os cavalos do seu carro. Tudo eram flores, aplausos e champanha. Fez furor em Berlim. Com o dinheiro que ganhou na excursão artística pela Alemanha, levou todos os Duncans à Grécia.
Chegaram num bote de pesca a Itaca. No Partenon, posaram para os fotógrafos. Dançaram no Teatro de Dionisios. Ensinaram um bando de meninos esfarrapados a cantar o antigo coro das Suplicantes. Construíram um templo para morar, numa colina que dominava as ruínas da velha Atenas. Mas na colina não havia água e antes que o templo estivesse concluído o dinheiro acabou.

Tiveram que hospedar-se no Hotel d’Angleterre, onde chegaram a dever uma boa soma. Quando o crédito acabou, levaram o coro para Berlim e representaram os Suplicantes em grego antigo. Ao ver Isadora envolta em seu peplo, caminhando pelo Tiergarten à frente dos meninos todos vestindo túnicas gregas, o cavalo da imperatriz assustou-se e atirou Sua Majestade ao chão.

Isadora ficou na moda. Chegou a São Petersburgo a tempo de ver o funeral noturno dos revolucionários mortos a tiro em frente ao Palácio de Inverno, em 1905. Teve muita pena. Ela era norte-americana como Walt Whitman. Os governos que cometem assassinatos não eram de sua classe. Sua gente eram os manifestantes. Os artistas nunca estavam do lado das metralhadoras. Era uma norte-americana de túnica grega estava com o povo.
Em São Petersburgo, que ainda estava enfeitada pelo balé século dezoito da corte do Rei Sol, suas danas foram consideradas perigosas pelas autoridades.

Na Alemanha, fundou uma escola com auxílio de sua irmã Elizabeth, que teve a seu cargo toda a organização; e deu à luz um filho de Gordon Craig.
Fez na América a entrada triunfal que sempre havia planejado e deixou os filisteus consternados com uma excursão artística. Seus companheiros eram detidos pela polícia, por vestirem túnicas gregas. Na democrática América não havia liberdade para a Arte.

O regresso a Paris foi uma apoteose: Arte significava Isadora. No funeral do Príncipe de Polignac conheceu o milionário (rei da máquina de costura) que seria o futuro provedor e financiador da sua escola. Foi com ele no seu iate (tudo o que Isadora fazia era Arte) dançar no Templo de Paeston, só para ele. Mas chovia e os músicos ficaram molhados até os ossos e todos preferiram embebedar-se.

A vida do milionário era Arte. Arte era tudo o que Isadora fazia. De volta, pela segunda vez, ao seu país, escandalizou, com sua dança, as velhas senhoras dos clubes e as solteironas aficionadas das artes. Também já mostrava no ventre o filho do milionário. E deu para beber e avançar até o palco, discutindo com os artistas.

Isadora estava no auge da glória e do escândalo, do poder e da riqueza. A escola progredia, o milionário ia construir um teatro em Paris, os Duncans eram sacerdotes de um culto (Arte era o que Isadora fazia).
O automóvel que, em Paris, levava seus filhos, parou numa das pontes do Sena. Esquecendo-se de que o carro estava com o cambio ligado, o chofer deu a partida. O motor arrancou e o automóvel caiu no rio.
Os meninos e a ama afogaram-se.

O resto da vida, Isadora viveu num desespero, entre alvoroços de escândalos, caras irônicas de jornalistas, ameaças de procuradores, demandas de gerentes de hotéis que apresentavam contas atrasadas. Isadora bebia demais, não podia deixar os jovens tranqüilos, usava o cabelo com vários tons de vermelho, nunca se preocupava em pintar-se como devia. Descuidava dos vestidos e jamais soube em que gastava dinheiro. Mas a impressão de saúde enchia a sala, quando a figura de braços maravilhosos avançava, lentamente, do fundo do cenário. Não sabia o que era medo; era uma grande bailarina.

Em São Francisco, sua cidade natal, os políticos não permitiram que ela dançasse no Teatro Grego, que haviam construído por sua influência. Onde ia, ofendia aos filisteus. Quando a guerra estalou, dançou a Marselhesa. Isso, no entanto, pareceu irreverente e sentiram-se ofendidos por não haver renegado a Wagner, nem ter mostrado respeitáveis instintos de matança.

Em sua excursão pela América do Sul, ligou-se com homens, em todas as partes: um pintor espanhol, alguns lutadores de boxe, um foguista de navio, um poeta brasileiro - deve ser João do Rio (Paulo Barreto), ao menos pelo que se pode deduzir das referências que ele faz a Isadora, em sua autobiografia. Procovou escândalos nos salões de tango. Chamou os argentinos de negros do palco. Embebedou-se de triunfo, em Montevidéu e no Brasil. Mas, enquanto tinha dinheiro, não podia evitar e gastava a rodo com dançarinos de tango, donativos, ceias depois do espetáculo e toda uma seqüência de loucuras. Tudo por sua conta. Os empresários aborreciam-na. Não sabia o que era, não se envergonhava com as murmurações, nem com as manchetes dos vespertinos.

Quando outubro levantou o pano do Velho Mundo, lembrou-se de São Petersburgo, dos esquifes deslisando pelas ruas silenciosas, dos rostos pálidos e dos punhos cerrados daquela noite e dançou a Marcha Eslava, pondo um lenço vermelho diante do nariz das velhas senhoras de Boston, no Symphony Hall.

Mas quando foi à Rússia, com a esperança de encontrar uma nova escola de trabalho, uma vida livre – viu que tudo ali era grande demais, difícil demais.

Quando já lhe era impossível obter mais dinheiro para a Arte, para as pessoas que comiam e bebiam nos seus aposentos de hotéis, para alugar Rolls-Royces e para a manutenção de seus discípulos e alunos – Isadora foi para a Riviera escrever suas memórias, a fim de arrancar um pouco de dinheiro do público norte-americano que, depois da guerra, havia despertado para os gregos, o escândalo e a Arte, e ainda tinha dólares para gastar.

Alugou um estúdio em Nice, mas nunca pode pagar o aluguel. Tinha brigado com o milionário. Suas jóias, sua famosa esmeralda, seu manto de arminho, seus objetos de arte, foram parar em casas de penhor ou em mãos de usurários. Tudo o que lhe restava eram os velhos cenários azuis que tinham visto seus grandes triunfos, uma carteira de couro vermelho e um velho abrigo de pele, descosturado nas costas. Não podia deixar de beber ou de lançar-se nos braços do primeiro que lhe aparecesse. Quando dispunha de dinheiro, organizava uma festa. Tentou afogar-se e um oficial da marinha inglesa tirou-a do mediterrâneo batido de luar.

Um dia, encontrou num pequeno restaurante de um clube de golfe, Juan, um jovem italiano, que tinha uma garagem e dirigia uma pequena Bugatti de corrida. Dizendo-lhe que talvez se decidisse a comprar o automóvel, pediu-lhe que fosse a seu estúdio, para que a levasse a dar um passeio. Seus amigos não queriam que fosse, diziam que o italiano era um simples mecânico, mas Isadora insistiu. Tinha bebido uns copos (no mundo só lhe interessavam a bebida e os jovens simpáticos...), ligou-se ao italiano, lançou para trás a echarpe de longas franjas para envolver o pescoço, com seu largo gesto habitual, virou a acabeça e disse com o sotaque californiano que jamais pode esquecer:

“Adieu, mês amis, je vais à la glorie «
O mecânico deu a partida e o carro arrancou. A pesada echarpe, que pendia para fora do carro, enroscou-se numa roda, puxou violentamente a cabeça de Isadora para o lado..O automóvel deteve-se instantaneamente. Tinha o nariz arrebentado, o pescoço pendendo...Estava morta.

(Extraído de "Dinheiro Graúdo" – John dos Passos – edição 1938)


domingo, junho 08, 2008

Algumas impressões no Domingo

I

Minha punição
É uma espécie de florescer
Magras contusões
Viver de expedientes
e de outros.

Contra a virtude,
me disseram
É preciso gosto
Defloramento.

Minha punição é malícia
Apetite de moças
Gravidade e representação
Formal
Do verso.


II

Oro cinco vezes ao dia
Componho versos sem rima
Alternando cores
E sem quintilhas.

Brandamente
Esparramo pelo branco
Do espaço
Uma multidão de gente
Já morta
Amigos, amores, vizinhos
Numerosos como areia.

Desato o nó do peito
Jogo a tonalidade róseo-pálida
Do choro
Sobre o sol.
Não há Deus.


III

Rosmaninhos enfeitam o ádrio
Menos densas,
As pessoas ensaiam
Colocando a alma em cones
Notáveis esferas
Estremecidas.

Vivas pegadas
Deixam fundo o golpe
Na orla seca, fria
De junho.
Estradas iluminadas
No findar azul de gente
Qualquer coisa
Assim plena
Transpassada.

Em crise o dia cede
Rosáceos caules despetalados
O sétimo espírito
De Deus in vitro
Vitrines adornadas de pejo
Música
Abrindo a fenda
Que nos acomete:

Choro, riso, o peito sulcado
Por caminhos.


IV

De pronto
Só tenho o cobre da noite.
Falta uma vontade maior
Em lugar do pretérito imperfeito
Zelo por irremediáveis contos.

A mesma cidade povoa meus sonhos
Mesmas ruas, cães, carros, os muros tristes
Coisas fúteis, doces frios, moças sérias
Foi em maio,
Quando me decidi caminhando
Gerúndio destinado ao fracasso.

Fogueiras me amolam
Não tenho mais tempo,
Algumas cãs enfeitam meu rosto.

Ser escuro, ser obscuro
A mesma cor sempre
Malabarismo que já não me exprime.


VI


Um gesto
Ornato feito
De mulher
Quase queimando
O éter.

Um gesto
Peça adestrada
E cantigas.

Um gesto
Aligeirado
E seco
Em estufa.

As vinhas
(ou sem elas)
limpando a ferida
supurando

O espanto
Das gentes
E dos povos,
Tenda para o sol
inclemente

segunda-feira, junho 02, 2008

AO SUL DA CORAGEM

(Foto by João Garcia Conde de Pinho - Águeda - Portugal)
jc_olhares@clix.pt


Abrir a caixa, deixá-la às escâncaras.
Dilatar a porta, explodir as janelas opacas
Destruir a comédia que se representa,
De modo tão vil e desigual.
Construir novo terreiro, novo telhado
Que não seja de vidro e germinar rebentos
E renovos, novas crias.

Abrir as formas que há tanto tempo
Nos empesteiam e nos denigre
Abrir as gavetas, queimar aquelas roupas
Antigas que nos cobriam o corpo imenso
E podre, tantas vezes banhado e perfumado
E já prometido para a terra.

Abrir a caixa e colocar nela antigos lixos,
Papeis insanos, títeres,
Abrir a rua
Destrancá-la, construir calçadas
Onde pontes iluminem velhos, sentados
Em seus portões de pinho.

Radiante, seguir o mastro do sol
E se deixar cair sobre a grama verde
Do quintal defronte,
vestido de cores vivas
e lambuzadas de mel
e gritos.

Quarto a dentro

(O autor é de Lisboa - Portugal)
www.rgoncalves.net www.flickr.com/photos/rgoncalvesnet/
Contacto: rgoncalves.net@gmail.com

Enveredo por lugares
Moldado pela criança que pulsa
Como uma muda de planta
Taças compridas de licores
Finos
em mim.

Enveredo por pontos, sóis
Homem que encontra sósias
Fortunas, por onde passe
Ventos
Travessas de flores
E bandas.

(a casa que habito
tem uma sala tamanha
onde guardo corações
e amigos
onde eu mesmo me guardo
atemorizado
e só)

Candelabros se postam
Entre pacientes dobras.
Enveredo por lugares
Que eu mesmo não sei
Se haverá regresso

Mesmo quebrado
Entre as persianas
Desgastadas pelas luzes.