quarta-feira, novembro 22, 2006

A morte de Tia Irene

Naquela tarde, as crianças estavam especialmente inquietas. Pareciam estar ligadas numa tomada de 220 volts, pulando, cantando, dando tabefes uns nos outros. Tia Irene se sentiu mal, tentou segurar-se em alguma coisa, mas não havia nada que a sustentasse e desabou ao lado do monte de areia deixado pelo pessoal que fazia uma reforma na escolinha. A princípio ninguém percebeu. Os tabefes continuavam a torto e a direito, a gritaria era infernal, por isso, seu desmaio não foi notado de imediato. Um dos garotos, de mais ou menos cinco anos, foi quem notou que Tia Irene estava caída atrás do monte de areia e logo chamou os amiguinhos. Estes, ansiosos por novidades, pararam de esbofetear-se e foram ver o que tinha acontecido com a professora. Um deles, surpreso que a Tia Irene estava caída e não se mexia, falou aos amigos: - Será que ela morreu? Os outros, agrupados em volta, não sabiam o que dizer. Um ruivinho, mais atrevido, começou a chamar a professora pelo nome, mas a coitada estava sem condições de responder. - Bem, minha avó morreu há uns dias atrás e nós enterramos ela. Logo estavam todos, mais ou menos uns vinte e cinco alunos, jogando terra sobre o corpo de Tia Irene. Seu cabelo pintado de louro logo se tornou avermelhado pela terra jogada. Alguns até apareceram com pazinhas, de modo que, em minutos, a professora Irene, com mais de vinte anos de profissão, já contando ansiosamente os anos que faltavam para a aposentadoria, foi enterrada viva por seus alunos.

Meia hora depois, a merendeira percebeu um aluno ao seu lado, dentro da cozinha. - Enterramos a Tia Irene! - Deixa de maluquice menino. E quem te deu ordem de entrar aqui na cozinha? - Ela morreu e nós a enterramos. - Pelamordedeus, garoto. Volta pro parquinho. Já estou me irritando. Daqui a dez minutos é o horário da merenda e ainda não terminei. A Tia Irene deve estar te procurando. - Nós enterramos ela! - Cai fora garoto. O menino saiu correndo para junto dos seus coleguinhas com a vitalidade de seus quatro ou cinco anos, já pensando no lanche que tomaria daí a pouco. - Essa criançada – comentou irritada a merendeira - Por pouco não matam a gente de susto entrando aqui desse jeito.

A Diretora estava inquieta. As crianças que estavam no parquinho, brincando, faziam uma algazarra terrível. Estranhou que a Professora Irene, costumeiramente firme com a criançada, estivesse dando espaço para aquele barulho todo. Arquivou mentalmente a informação. Precisava chamar a atenção da Professora no final do período. O vigia diurno, postado junto ao portão da Escola, olhou em direção ao parquinho. Não viu a Professora. Viu apenas um bando de monstrinhos se esbofeteando. O que será que estava acontecendo? perguntou-se.

A merendeira aguardou a Professora Irene, mas esta não apareceu com seus alunos. Chamou o vigia e pediu-lhe que fosse chamar a Professora Irene e seus alunos no parque, pois já passava da hora da merenda. Ao chegar no parque o vigia ficou surpreso ao perceber que as crianças estavam sozinhas, brincando, completamente à vontade. Onde estaria a Professora? Perguntou-se a si mesmo. Foi até Diretoria e informou a ausência da Professora. A Diretora dirigiu-se ao parque e notou, abismada, que realmente a professora não estava à vista. Perguntou a um aluno: - Onde está a Professora? O aluno respondeu. - Ela morreu. - Como assim, morreu? - Ela morreu e nós enterramos. - Não estou entendendo esta história. O aluninho correu até o monte de areia e disse: - Nós enterramos ela aqui. A Diretora caminhou até o monte e percebeu que a terra havia sido revolvida recentemente. Desesperada, a Diretora chamou o vigia e pediu que ele retirasse a terra e qual foi a surpresa de ambos quando descobriram, soterrada por uma grossa camada de areia, a Professora Irene, desmaiada, sufocada por aquele volume imenso de terra. Tinha areia nas narinas, nos cabelos, nos ouvidos, e sua palidez era de um cadáver. Os alunos pararam suas brincadeiras, enquanto a Professora era levada pelo Resgate, entre a vida e a morte, ao hospital mais próximo. Era um fato interessante, a ambulância, os homens vestidos de branco, mas foi por instantes, pois logo estavam brincando alegremente.

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