terça-feira, dezembro 27, 2011

POEMA DO CONTORNO

Serra do Corvo Branco - Santa Catarina
Foto de Mauro Pereira da Silva

A lua vista desta janela,
É um começo de ano,
A expansão da dor e da neve.
Todo começo é brusco,
Um trem procurando
Sua linha, seus trilhos,
Arte entre acrílico e gosto.
A lua vista desta moldura
É um começo de passos
O terreno escolhido pela mão
Acervo de vida, época
De choro e poesia, mas também
De treinar o olhar, faze-lo
Caminhar pelos campos,
E chorar, quebrando potes,
Retirando de dentro aquele
Contorno sutil de si mesmo.

POEMA DA CASA VAZIA

Próximo a Londrina - Paraná
Foto de Mauro Pereira da Silva

Certos grafismos compõem cores
Que não sei se vejo mesmo e se estão
Em minha retina, estacionadas.
O seu desenho é o desenho das ruas
Do exército tomando campos, sóis,
Aleluias, natais melancólicos, teatros.
Monumentos abençoados pelo mundo,
Desenhando o clamor do homem
Evocando dias passados, retratos
Narciso e sua imagem, os gritos
Da noite e seus mitos.
Cresce a dor, e se expande
E sua redoma de vidro opaco
Me deixa um panorama correlato
Espaço aberto e ferido em meu ato.

POEMA DE DEZEMBRO


          Foto de Mauro Pereira da Silva - Rio Claro, estado de São Paulo (Horto Florestal, antiga Fazenda dos Prado).

A distância marca a estrada.
Riscos compõem a longa curva
Onde um menino anda com seu estilingue
Onde um homem surge e se esconde
Onde o canavial caia e fazia um mar de verdes.

A distância marca a estrada.
E o som de tudo explode no pequeno desenho
Uma árvore declinando sua sombra sobre o dia
Um caminhão avançando lentamente sob o sol
Uma mulher equilibrando um balde d’água.

A distância marca a estrada.
Marca o grito e o chamado respirado
Deixa nos homens os sinais do tempero
Onde um homem surge e se esconde
Onde o canavial caía e fazia
Um mar de verdes.

Sobram as linhas
E o que não sei.

domingo, dezembro 11, 2011

AS COISAS FLUEM

Meu tio José morreu afogado
Quando caiu num riacho da Vila Carmozina
Indo visitar uma de suas amantes,
E talvez não seja errado dizer
Que morreu a caminho do amor,
Sendo um mártir, portanto.

Gostava de tocar sanfona o meu tio
Ria muito, andava sempre bem vestido
Calça social e camisa muito bem passada
Combinando, sempre, e sapatos impecáveis.

As coisas fluem e ganham celeridade,
O lerdo passar dos dias, nos alcançando
São fios letais que nos matam lentamente.
"O instinto e a dor se vigiam," diria meu tio
"E pontilham nossos olhos ingênuos e vazios."

QUASE UM POEMA

A cidade erguia-se sob o sol e seus raios.
Como uma tinta vermelha coroando o trigo
Defuntas flores manchando os quintais
- a cidade um pouco adiante, perdida
Em sua própria vestimenta,
os velhos juntos nas calçadas.

Não se precisa quando a rua encosta no sol,
E a tarde vai consumindo os passadiços
Ressuscitando as horas, distintos rumores
Nos mais longínquos rincões de terra,
Tingidas de amarelo-ouro, negra fuligem,
Impressionadas na quina do parapeito.

( E lá na distância - meio azul, meio verde -
Vê-se a figura quase impossível de um carrinho
Puxado a cavalo, no alto do Sitio do Seu Marinho
Onde a alguns anos existia uma escolinha de madeira,
e um professorinha linda)

Ele avança lentamente, lentamente se mesclando
Ao vermelho da terra da Rua Boiadeira,
Caminho do matadouro, para além da pista.
E alguns lampejos de nuvens ficam ali, decorando
A quase noite, no finalzinho do quase dia...

sábado, dezembro 03, 2011

CERTOS SEGREDOS

Posso te falar de coisas,
Que nunca serão ditas,
Que nunca serão ouvidas
Secretas,
Como a vida
das plantas.

Posso te falar de coisas
De ruas tristes em bairros
Antigos, enlameados
Em cidades longínquas
Onde moças loiras
Caminham.

Posso te falar, posso
Te aceitar, posso te olhar,
Em sua pequena casa
Próxima
Ao aeroporto.
Dia chuvoso
Sussurros.

Posso enfim te dizer
De forma clara e concisa
Coisas que jamais serão
amanhecidas
que jamais serão
esquecidas:

As formas suadas
sob o lençol branco
de algodão
como gostas.
Segredos eternos
Construídos em aço
mesmo
que não queiras.

ESPIGAS

O crescente ronco do dia me avassala. Vem a seguir
um estalo profundo e cinzento, muros altos,
punhais brilhando na escuridão da cela.
E os cristais parecem fogo, gritos anasalados percorrendo milharais.
Alguém quebrando espigas com o peito, pela noite afora, comissionada.
Espéculos ferindo a luz selenita, o calcanhar rápido do fugitivo,
o último individuo a se apresentar diante do fogo.
O bom nome da vida não mais resiste, não mais se espalha.
Aquele que fui, estremece em palha, consiste em hábito
se apresenta de forma sutil e desdenhosa
cercado por figuras mal fixadas.
Um lampejo e mais nada em sua quietude.

segunda-feira, novembro 28, 2011

DILACERADO

Escrevo uma carta: "Por aquí tudo bem, morro de saudades" mas nada vai bem.
O que é certo é que morro de tudo: de pranto, luz, fumaça, hipocrisia.
Sou um rochedo dilacerado em pedras procurando o Mar da Tranquilidade (que não existe).

(Do livro "Soldado à beira a fuga", Editora Alaúde, 2005)

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sábado, setembro 03, 2011

quinta-feira, agosto 18, 2011

Suspenso


Um claro no horizonte
Suspenso
Como um pássaro brilhante
Gigantesco
A pousar suavemente
No vento
Entre os mistérios
Das coisas que virão-a-ser
Deus.

NOTURNO

Tenho medo de escuro.
De dias sem sol,
Água empoçada.
Dietas sem doces.

Tenho medo de cobras.
Palitos na calçada
Indo sem rumo,
Levados pela vida.

Tenho medo de sons
Noturnos, longínquos
Cachorros latindo
No meio da noite.

Tenho medo de ser
Uma pequena linha
Perdida no grande e imenso
Dia da existência.

Dissertação sobre o poema II

Não olho o poema como uma mulher grávida. Antes, como um rastro de água (mineral). Antes, como um longo encismado de pedras, entulhos, águas-vivas. Antes, como uma serpente pintada de sol e fogo. Como um grito redondo ou um fixo olhar de logro. Não vejo o poema como germinado sob a água do rio, da ilha além do rio, da escultura. Construção de forma só exegese e gênese total, que se serve de olhos e bocas para vencer o mal. Vida e sopro, brisa e pús de vida, chaga de vida, vida dimensão e luz cruel de vida pasto, vida, força, vida. Não olho o poema. Antes, como o poema, depuro o poema, agrido o poema.

A mariposa no túnel

O título de todo campo é a diagramação da palavra. Parece simples ser um homem, todo luz e ruas. Parece simples ejacular sons, disparar as mãos pelas portas e janelas discretamente destruídas pelos dias. Nada é simples, apenas parece. Nada permanece, apenas endurece. O coração do homem não é simples, nem som de pássaros. Antes, é um túnel sombrio, por onde, às vezes, passa uma mariposa à procura de luz.

A estrada e a linha do trem

Vamos voltar pra casa, disse ela.
Talvez, ele respondeu, olhando a estrada azul
Que se via além do parabrisas do carro.
Antes que seja tarde, ela disse, arrumando
A saia cheia de virtudes e inexpugnável.
Ele ficou em silêncio, escudado pelos metros
Que passavam sob os pneus do carro novo.
Estamos vivendo maus tempos, pensou ele,
O gado está magro, o capim raro e seco,
A linha do trem tem uma coisa meio que
Rançoza, de filminho trash americano.
Uma retidão impertinente, por onde se vê
Os alpendres e os terrenos plantados de
Qualquer maneira, uma coisa jogada e tal.
Acho que estamos doentes, ela disse,
E ele concordou, distraído, desviando-se
Do viralata que cruzou a estrada subitamente.
Já eram umas onze-horas e o trem das onze
Passou, sorrateiro, freneticamente, no meio
Da poeira e do tempo, rasgando a linha.
Os dormentes de peroba jogavam no ar
Nos pastos e nas pessoas um ar fétido
De podridão, alavancas, sem dar trégua
Sequer deixando que se note as andorinhas
Tardias de setembro brincando no alto do céu.
Acho que estamos doentes, ela diz, de novo,
Quase sem sentir o vento e o assombro
E ninguém nota o maquinista do trem
Em seu uniforme de gala, nem surpreso
Nem muito atento, mas sem dúvida,
Sorrindo e mostrando seu dente de ouro.

Breve retrato de um grupo de jovens

Foi na véspera que vi as pessoas na encruzilhada
Umas com cerveja na mão, outras rindo em crescente
O dia parecendo um uniforme de cores e luzes
E através das cerquinhas um prenuncio de noite em êxtase
Uma porção de tempo aguilhoado pelo espanto
O medo e aflição da vida bem distantes e incrédulos.

Avançavam a pé no rastro da manhã esquecida
Um inevitável desenho entre as arvores e as clareiras
Um fogo de vida abraçando as guirlandas
Dos risos e dos pés, as bicicletas avançando
Entre os descalços, findando a rua, as fileiras
Entre o pó da manhã e as aléias freqüentes.

Um farrapo de papel mostrando a cena ao mundo
Um instante perpétuo e fugaz, abas e estrelas
Risos e cervejas, pés e flores, um tumulto de vida
Materializando o pouco que temos e que chamamos
De Existir, pobres que somos, nós os mortais
E inquietos donos dos risos e das dores.



sexta-feira, julho 29, 2011

Declaração de amor ao meu modo

Lembre-se de mim: sou aquele que tenta não te esquecer e se deixa, atônito, esperando a sua volta que não acontece. Farto de dias, escondo-me por entre suas figuras e me canso, e me bato, prisioneiro que sou de uma ilha deserta. Lembre-se de mim, amada, não me esqueças. Amarra se quiseres um pequeno barbante na ponta do dedo de forma que não esqueças aquele que te aceita. Faça de conta que sou seu aluno, mau aluno, que perturba sua aula e corre entre as carteiras, apagando as letras de sua lousa. Me quedarei em brasas, aguardando a sentença de suas mãos. Aguardarei tesouros, abraços antigos, flores que ainda não estão mortas. Lembre-se que sou sua figura, mal desenhada, simetricamente desenquadrada e alheio a outros cantos escondidos, onde já me comprometi secretamente contigo. És minha trilha, sou teu sol. Caminhemos juntos em direção ao abrigo, celebremos unidos esta grande criação chamada vida e bebamos da mesma água, saciemos nossa sede mesclados no mesmo filme
interminável.

quarta-feira, maio 25, 2011

Fotografia de um lugar


Esta noite, para além das folhas projetadas
Para além das mãos que surgem em minha memória,
Para o temor de uma voz alta escondida e ligeira
Esta noite, jovem em minhas lembranças,
Agarrando uma corda, correndo atrás de uma carreta,
Afagando minha dor imperceptível em gritos.
Esta noite, deuses e sótãos, olhos e qualquer gesto
A mesa da sala abarrotada de libélulas e de céus,
Caminhantes numa estrada longe, longe,que nunca mais vi
Um silêncio de tantos anos, uma figura na rua;
Esta noite, aqui, neste bairro, nesta antiga cidade
São Paulo não mais cinza, mas que é a minha casa,
Onde envelheço e sofro como data numa folhinha antiga.
Esta noite imensa, imensa, que não me cabe,
Mas que escuto, chegando, devagarinho, por entre passos
Prédios e casas, pessoas e carros, e isso soa rude
Como fotografia de um lugar onde nunca estive,
Desenho atormentado de enormes conjecturas
Palavras hesitantes  e sem fôlego mas palavras,
Tamanho é o seu desenho em minha alma
Tamanha é esta noite em sua essência e fim
Pálida, caminho calçado e aceso entre os olhos
O colorido úmido do mais profundo de mim.

quinta-feira, maio 19, 2011

Marguerite Duras - Memórias de Adriano



     Enjoado com tanta literatura ruim, tipo "Os Crepúsculos", "Os Segredos" e outros que tais, resolvi inserir aqui alguns textos, pérolas da boa escrita, produzidos por imortais da literatura. Aqui segue uma amostra do que considero um excelente texto.

     "Ontem, na Vila, pensei nas milhares de vidas silenciosas, furtivas como as dos animais, irrefletidas como as das plantas, boêmios do tempo de Piranesi, saqueadores de ruínas, mendigos, pastores, camponeses alojados bem ou mal num canto dos escombros, que se sucederam aqui, entre Adriano e nós. Na orla de uma plantação de oliveiras, num antigo corredor meio desobstruido, G ... e eu nos encontramos diante do leito de caniços de um pastor, do cabide improvisado para seu capote, fixado entre dois blocos de cimento romano, das cinzas de sua fogueira mal apagada. Sensação de intimidade humilde quase semelhante àquela que se experimenta no Louvre, depois de fechar, à hora em que os leitos de campanha dos guardas surgem entre as estátuas."

  In "Memórias de Adriano" - Marguerite Yourcenar, Editora Record, página 313.
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sexta-feira, maio 06, 2011

A roseira e suas hastes


A roseira e suas hastes criam água e luz, esponjas simples
Imitando medusas e criando filtros entre as sombras e os ninhos.
Um broto adquire vida e sobe, aquecendo raízes, fecundando dias
Situando-se no fundo da fenda ao longo do ano.
A seta colorida do talo desenha amores e
cômodas cores.Todos morrem.
O constante é ser vivo e ser só,
Todo o tempo
E mais nada além de imagens trêmulas.

terça-feira, maio 03, 2011

Meu avô usava chapéu Panamá

  

Meu avô usava chapéu Panamá
Terno de linho, bíblia na mão,
Tradução Ferreira de Almeida.
Bem diferente do servente
De pedreiro, sujo e manchado
De lama, que era na semana.

Ás vezes subia ao telheiro
Ou ficava no alpendre novo
Cheirando a tinta e fósforo
Trilha de musica e de radio
Que ás vezes escutava, só
Vendo a noite descendo.

A luz crespuscular expressava
Uma fina expressão de morte
O dia findando como uma chama
Rígida, pretensiosa, possível
Caindo no bairro e nas igrejas
Onde os crentes davam glorias.

Além da linha, o trem bruto
Rígido como um alquimista
Passando pela janela viva
Levando em si as vozes
Misturadas das gentes
E o sofrimento humano.

Me lembro do meu avô, Eleno
Olhando ao longo da cerca
Seu mandiocal e suas galinhas
Tentando adivinhar pelo trem
E seu apito longínquo
Qual o horário do dia.

E as estreitas filas do mundo
Eram desenhadas pelas linhas
Noroeste, Sorocabana,
Silenciosas linhas, absortas
Desenhando no chão a trilha
de Deus, talvez, ou dos homens.

sábado, abril 30, 2011

São Paulo, sábado

 
De encontro ao vento, o suéter suspenso
Sobre os ombros
Cruzo  a rua, o céu adormecido
entre riscos azuis e pássaros.
É bom sentir a vida, penso,
É bom andar e ver os prédios
São Paulo intensa, estranhos palitos
Onde pessoas habitam, namoram,
Casam, morrem.
Espelhos de si mesmos.
O chão negro de piche move-se
Uma planície compacta de carros
Buzinas,
A rasa existência tentando respirar
Superar o mar de pernas e braços,
Eternos e cinzentos corpos
Buscando abrigo
Ao longo da calçada.

Mas ainda assim
O sol morre no horizonte
E lança fachos de luz
Vermelha, o arrebol
Disparando púrpuras
Sobre as colinas
num espetáculo de
doer o coração.