terça-feira, maio 03, 2011

Meu avô usava chapéu Panamá

  

Meu avô usava chapéu Panamá
Terno de linho, bíblia na mão,
Tradução Ferreira de Almeida.
Bem diferente do servente
De pedreiro, sujo e manchado
De lama, que era na semana.

Ás vezes subia ao telheiro
Ou ficava no alpendre novo
Cheirando a tinta e fósforo
Trilha de musica e de radio
Que ás vezes escutava, só
Vendo a noite descendo.

A luz crespuscular expressava
Uma fina expressão de morte
O dia findando como uma chama
Rígida, pretensiosa, possível
Caindo no bairro e nas igrejas
Onde os crentes davam glorias.

Além da linha, o trem bruto
Rígido como um alquimista
Passando pela janela viva
Levando em si as vozes
Misturadas das gentes
E o sofrimento humano.

Me lembro do meu avô, Eleno
Olhando ao longo da cerca
Seu mandiocal e suas galinhas
Tentando adivinhar pelo trem
E seu apito longínquo
Qual o horário do dia.

E as estreitas filas do mundo
Eram desenhadas pelas linhas
Noroeste, Sorocabana,
Silenciosas linhas, absortas
Desenhando no chão a trilha
de Deus, talvez, ou dos homens.

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