sexta-feira, janeiro 12, 2007

Anotações de um caipira .2

Vivi nesta casa maravilhosos anos! Acho que até a hora de minha morte me lembrarei da Rua Acre, da poeira vermelha que subia em redemoinhos, dos amigos, das bolinhas de gude, das tardes tranqüilas, simplesmente olhando as nuvens e imaginando milhões de figuras: soldados, cavalos, baleias, carros....Tudo isso eu via nas nuvens brancas, desenhadas em designer luxuoso no céu azul de Andradina. Com o tempo, o bairro cresceu e eu cresci junto com o bairro. Logo, minha mãe, que nessa época trabalhava como como bóia-fria, catando algodão nas plantações próximas pois era o único trabalho que sabia fazer, me matriculou numa pequena escola, na Rua Acre mesmo, que ficava dentro de um sítio de propriedade do seu Paulo Marinho. Infelizmente, esta escola não existe mais e o sitio do seu Paulo Marinho foi cortado por uma rodovia construída em 1973. Ali aprendi as primeiras letras com dona Doraci Trentin, minha primeira professora, ruivinha, cheia de sardas e linda, linda, que povoava meus sonhos de menino. Eu tinha tanta vontade de aprender a ler, que às vezes pegava um papel e fingia que lia. Talvez por isso tenha aprendido a ler com tanta rapidez e logo me destaquei como o melhor aluno da classe.

Lembro-me perfeitamente do primeiro dia de aula. Minha mãe me levou até a entrada da escolinha e chorei muito, talvez de medo, não sei bem porque. Levei um caderno dentro de uma sacolinha, uma espécie de embornal, feito especialmente para a ocasião. Naquela época, em 1970, havia na esquina da rua Acre com a rua Bandeirantes uma pequena mata. Às vezes eu não resistia e depois de voltar da escola, adentrava a matinha à procura de ninhos de passarinhos. Encontrei vários. Tenho este crime em minhas mãos: fui muito malvado com os passarinhos. Matei vários.

Lembro-me que as aulas dadas por dona Doraci eram ótimas. Havia estorinhas, havia brincadeiras, e como a escolinha ficava dentro de um pasto, nossas brincadeiras não raras vezes aconteciam entre as vacas do proprietário do sitio. Até hoje me lembro de algumas estorinhas ótimas, de príncipes e princesas, de dragões e guerreiros. Anos depois, em uma de minhas idas a Andradina, fiquei surpreso ao saber que dona Doraci ainda era viva (haviam dito que ela tinha falecido) e tentei de todas as maneiras descobrir o seu endereço. Foi com muita emoção que toquei a campainha da casa dela. Estava curioso em vê-la depois de 30 anos. De repente saiu da casa uma senhora, baixinha, gordinha, ruivinha...bem diferente da imagem que tinha da minha primeira professora. Ela ficou muito emocionada em saber que eu era. É claro que devido ao tempo, ela jamais me reconheceria, assim como certamente eu também não a reconheceria se a encontrasse aleatoriamente.

Chorou, minha querida professora, ao ver-me. Abracei-a singelamente e agradeci pela imensa fortuna que ela havia me dado: o dom de ler e escrever, de enxergar o mundo através das palavras, de engendrar pensamentos, de ter uma profissão, de ser homem e como homem, estar intrínseco neste mundo. Devo isso a ela. Devo a outros mestres, é claro, mas ela é especial porque foi a primeira. Meus outros professores, a quem também devo muito, já me pegaram alfabetizado. O trabalho foi muito mais fácil.

Um comentário:

Fábio Trentin Troncoso disse...

Parabens pelo texto.A professora Doraci Trentin ensinou muito,a muitos.Ela sempre teve muitas estorinhas.Obrigado pelo seu carinho por ela.