sábado, janeiro 31, 2009

Homenagem ao grande Fernando Pessoa

(Foto de Mauro Pereira da Silva - Praça central de Águas de Lindoia - estado de São Paulo)
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Jamais fui belo ou rico.
Tudo o que sou,
Descende de outras terras
E modos.
Ando meio agudo
Sorriso inerte
Mãos caidas.
Mas tenho em mim
Que por mais só
Eu seja
Estarei inteiro em mim
Se minhas partes
Jamais se soltem
Fiquem solidamente
Amarradas
Naquele que Sou
E fui.
Assim serei
Eterno em mim
Mesmo.

quinta-feira, janeiro 29, 2009

Ocasião

(Foto de Mauro Pereira da Silva)
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Nunca deixar
A causa dos justos
Entre o povo.
Pois manhãs limpam
O sangue
Da memória.

Nunca deixar
Nas semanas
Fermento
De algum trabalho
Desnecessário.

Não haverá pleito, uso.
Nem povo algum na cidade.
Nem o espaço do campo.
Margens ou reinados.

Levantam-se as madrugadas
Atravessa-se rios
Acampa-se ao lado
De inimigos
Mortais.

Não veremos terras
Nunca veremos litorais
Tudo passou de tal
Modo que sequer
Percebemos.

Nunca mais
O mesmo rio.
Ou o mesmo
Rosto
Nunca mais.

domingo, janeiro 18, 2009

Dos Símbolos

(Foto de Mauro Pereira da Silva - Ilha de São Francisco do Sul - Santa Catarina)
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Dentro de mim, o mar ressoa,
Trabalho de anos, símbolos que,
escondidos, me desenham.

Dentro de mim, púrpuras acendem
suscetíveis gotas que pingam, lentamente,
Palavras como o mar que ressoa.

Dentro de mim, redes são lançadas
Peixes são arrastados
E palavras riscam o céu de anil.

A pupila do que existe em mim, é o que tenho:
como um jarro cheio até seu limite
De água e desenho.

sexta-feira, janeiro 16, 2009

Anotações de um caipira - parte 1

(Foto de Mauro Pereira da Silva)
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Parte 1. A Lembrança como trevo

No inicio era o verbo
Um borrão inédito pintado nos caules das árvores.
No inicio era o nome,
Mas o nome ainda não existia além do tempo,
Ainda não deflagrava gritos, correrias, a longa noite
Se esvaindo entre os dedos,
O apito do trem varando a escuridão dos trilhos.

Havia ma criança natimorta, uma ruazinha tranquila
E mal delineada
Na pupila do homem,
Um mal estar, a tranqüila roça de rododendros
Infestando-se pelos calos do roceiro,
(A mão inerte, extática no ar,
Apontando uma direção desconstruida).


Ouvia um motor dando fortes estalos,
A vida emperrada pelo cortejo
Construção de tijolos vermelhos ainda tremeluzindo
Nos olhos da casa, numerosos amigos
Acenando ao longe, indistintos já, na distância
Da vida que se esvai e se deteriora.

Semi-estrangeiro, alguém libertado das coisas
Enigmas que nos compõe e nos altera das cinzas
E das enormes latas rasas onde somos guardados
Pelo senhor do mundo, pequenas esferas que pulsam
Pulsam e depois repousam
Quando nos chegam os dias de fome.

No inicio, sequer era o Verbo.
Porque o inicio nem era dias
Nem infância era, sequer vislumbram horas
Senão um olho humano e fixo caminhando trôpegamente
Pelas calçadas, onde El-Rei domina as cidades
Do sul, do norte, os meio-termos e o que nos sobra.

Se fosse verbo seria letra,
Seria presente, passado, a eterna poeira que ainda nos envolve.
Seria represa, dom guardado, pequenos pedaços que se foram
Fotografia ainda não revelada,
Não mais que homens correndo ao lado do trilho
Tropeçando em pedras
Numa busca desigual por sua própria imagem
já perdida num antigo espelho.

Anotações de um caipira - parte 2

Parte 2. A rua ainda virgem

 
Todo o vasto peso não verga
O corpo ainda firme.
Todo o vasto peso não verga
Terras ainda virgens.
Todo o vasto peso não verga
Aquela curiosidade
Inerente à alma
Suave luz que decora
Alguns dias sonolentos.

Todo o vasto peso não verga.
Mas assinala dores corporais
O gosto da noite e nunca mais.

(Abaixo da sentinela um ponto se destaca,
Dois ou mais sons, um brilho e um golpe
A intenção do mundo se revolvendo
Como roda de brilho fátuo no caminho
Por onde passa o homem, só e nada mais.)

À meia-luz o rosto se vislumbra
A lua de Andradina destacando-se
No ocaso e no instante que ficou
No calor e bagaço dos corpos
Uma fúria contida, um tiro
Esquina morta, rua morta
Mortos todos, silentes, enfim
Apenas nomes de praças e pombos
E uma imagem já longínqua
Do meu pequeno bairro de Santa Cecilia
que dormia.

quinta-feira, janeiro 15, 2009

Anotações de um caipira - parte 3

Parte 3. O ferimento como lava

que isto seja um desperdício:
o acender de uma lâmpada em transe,
a cabeça no ombro desmaiada,
pistas escritas no rosto de alguém
já cansado, mal desenhado
em pequenas gotas diárias.

o ferimento fundiu-se como lava
Abriu a veia e escreveu lá dentro,
Coisas tão lindas, coisas tão suas
Que se impregnou conosco
Dormiu conosco, amou conosco
Semelhante a deuses
Parecidos em si mesmos
Com a terra devoluta e seca
Cedendo nossa carne
Concreto e pó adormecido.

Anotações de um caipira - parte 4

Parte 4. Para sempre o que é incerto

Chove a cântaros.
Edifícios inteiros desnaturados,
singularmente mortos
Pelo cinzento dia.
O efeito da chuva me lembra
ferros amanhecidos,
Dobrados pelos dedos de um
Deus inquieto.
Pequenas latas, palitos,
papéis, retalham o chão.
Destinos bobos
que assemelham-se
ao nosso
De tão incerto, de tão indelével
que se torna.
Tánatos, o Deus na morte,
nos ronda entre o jardim e o café.
Tenho medo dele,
tenho medo desta ronda
sinistra e sutil
Da aproximação do sono,
a sedução que nos leva
Para sempre pelo longo túnel
escancarado.
País estranho este.
País sinuoso que me traz
a chuva
Neste domingo rígido,
lacônico,
Próximo demais,
próximo demais,
De minha fortaleza,
que ninguém sabe
Ou sequer conhece.

Anotações de um caipira - parte 5

Parte 5. O uso calmo do chão

 
Alongo a vista e vejo para lá do sitio
Pontos brancos, vagos e indistintos
Trouxas na cabeça, marmita sob o braço
O caminhar moço de catador de milho
A prova de que se existe é esta:
O tempo parado, figuras e onze-horas
Borboletas no jardim da casa
Heras, rosas, pequeno gramado
Escondendo bolinhas de gude e sonhos,
E um menino olhando as mini-saias
Era novamente maio, flores
Saindo pelas cerquinhas de balaústre.
Era meio-dia, o sol a pino.
Era Andradina.

terça-feira, janeiro 13, 2009

Anotações de um caipira - parte 6

Parte 6. Nem dia nem noite


Ainda não era demasiado tarde.
As janelas se fecharam
As ruas ficaram subitamente quietas

Os carros vieram
E espalharam ciscos, gravetos
Pela rua Acre, naquele fim de tarde.

Pigmentada no céu
Havia uma cor intensa
vista pelo bairro inteiro,

Uma cor daquela
Para os lados de Planalto
Após a linha
Após o trem passageiro passar
Apitando, como uma flecha
Em direção a Murutinga
Valparaíso, Bauru

(E o bando de meninos
Correndo atrás, atirando pedras
Vendo as pequenas cabeças atrás da janelas;

Vendo as pequenas silhuetas
Sentadas e ficando pequeninas, pequeninas
Perdendo-se na linha do ocaso).

Mas está ficando tarde
E toda a solidariedade do mundo
Escreve-se ali entre a poeira
Escreve-se nos barulhos de pratos
Chamados de cachorro
Chamados de criança
(fulano, vem aqui menino!)
a vida do bairro explodindo

E o momento parece um quadro
uma pintura em ouro fresco
naquele janeiro ou fevereiro
tão direto, tão verdadeiro
que dilacerava os olhos.

Era tão direto
Tão infinitamente claro
Que até hoje a imagem, o desenho
Ainda se descobre
Em meu peito
- Uma marca de homem
E de esparsas feras:

Uma marca de som
Do que ainda não foi esquecido
e que permanece absolutamente
Intacto
Em alguma parte minha represada.

segunda-feira, janeiro 05, 2009

A prova

(Foto de Mauro Pereira da Silva - Campo de trigo)
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Esta face marcada de sinais,
é a prova de que não desisti.
Mesmo os barcos vazios,
o carro solitário,
a casa estranha aos meus olhos,
demonstram o quanto
ainda busco Deus.
O rosto talvez não dure
tanto quanto a angústia
de ver a mesma lua,
a mesma cerca,
as praças de minha infância
já amarelada,
que construíram
o homem que sou
ou que não sou.
Mas Deus está em mim,
em mim que sou curto
de paciência,
em mim que grito
e esperneio e digo
que detesto esta cidade.
Talvez a avenida vazia
seja a expressão
mais crua de mim mesmo.

sábado, janeiro 03, 2009

O velho caminho no Bairro de Santa Cecilia

(Foto de Mauro Pereira da Silva - Estrada entre Selviria e Três Lagoas - Mato Grosso do Sul)
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O velho caminho
ainda existe.
A serra.
A terra ainda
é a mesma.
Deixo as marcas
dos pés
e caminho
tentando encontrar
o que deixei
por aqui,
por esta estradinha
cercada
de pés de mamona
e onze-horas
vermelhinhas.