sexta-feira, dezembro 28, 2007

Peregrinos

" Quando Deus quer, com todos os ventos chove." — Largitur pluvias, ubi vult divina potestas
(Antigo ditado romano)


Alguns peregrinos trilham pontos
Enquanto pastores olham ao longe
Pinheiros molhados por fina garoa

Alguns pedem água, outros são prisioneiros
Da floresta verde que se delineia ao lado
Exílio de um corpo enorme e fechado

Um espetáculo se inicia de forma viva
(Peregrinos andando em cadência
Carregando suas cruzes esfarrapadas)

E penso que haverá sempre a solidão
No coração dos homens, sempre
Mesmo que multidões se formem

De tal forma compacta como muro
E ergam suas vozes até as alturas
Onde talvez exista um Deus que escute

Tamarindos

Tentado pelo mel, escrevo devagar
Frases de forma recatada,
Às vezes arrebatado pelo desejo
De colher tamarindos
Plantados no quintal
De minha casa,
Ou colher bagas de algodão
Com minha mãe, nas férias
Da escola como sempre fazia.
Este legado não esqueço:
Uma enxada carpindo o mandiocal
Os gritos de dona Maria
Chamando Burú, Dora, Marcelo,
Meus amigos
E as galinhas ciscando na areia
Do imenso mundo, panorama
Encravado no dia
Trêmulo de sol e ruas.

(Escrito em 27/10/2004, em plena Rodovia Marechal Rondon, em algum ponto entre Araçatuba e Valparaíso)

quinta-feira, dezembro 27, 2007

Laudate Dominus, Amem

Ao amigo e poeta Simão Viana que afirma já conhecer Andradina
apenas lendo estes textos, aqui vai mais uma imagem de minhas lembranças.

Em nuances as cercas florescem
Para os lados da estrada do Jaó,
Passando pelo velho Moinho
Onde velhos e seus cavalos

Decoram os campos
Sobem morros, sulcam
A terra e regam a roça
Com seu suor e espanto

Para os lados de Três Lagoas
O céu une-se aos campos
Verdes, amarelos, azuis
Unidos na mesma escala

Juntos, além do rio Paraná
E seus afluentes doces
Peixes enormes pescados
Em batelões e farpas

Em nuances Deus nos mostra
Pássaros, estradas que se perdem
Riscando o mundo, vasto mundo
Onde um dia andei, menino

quarta-feira, dezembro 26, 2007

Abraço a todos os amigos!







Abraço a todos os amigos! Apesar de não comemorar o Natal, desejo a todos um ótimo Ano-Novo. Mais um ano, mais cabelinhos brancos, alguns amigos que se foram - infelizmente, e aqui vamos nós, sobreviventes, adentrando 2008.

Que venha!


"Quem se vence, vence o mundo." — Vincere cor proprium plus est quem vincere mundum.

quinta-feira, dezembro 20, 2007

O poema e o seu caminho

Talvez por ainda não ter
a devida consciência
Continuei a crer na luz,
Em danças na floresta
Fluidos e solos de cantos.

Inquietamente ainda acreditava
No tempo deslocado por mundos
Onde repousasse a aurora
Onde a lisonja fosse vã
E os pequenos pontos
Constituíssem o alicerce da vida;

Onde os segredos estivessem em lápides
Confissões fossem proibidas
E todas as coisas fossem claras
E límpidas como um amigo.

Talvez ainda por ser ingênuo e doce
Continuei a crer nos povos
Sem venenos nem malicia
Onde os velhos vivessem mais
E tomassem da rosa como a uma jóia
A despeito de tudo o mais,
A despeito da força e do horror.

Mas escrevo estas frases, escrevo
Com um nó na garganta, uma raiva
imensa e nada santa nem divina
Traçada no branco da página
Tentando colorir com a mão
Com a alvura e a maciez
Este campo desolado.

O suspiro merecido de um grito

Chegará certamente o dia
que opiniões não valerão
ardores nem falsos olhos
possíveis êxitos
ou parcelas intrinsecas
de felicidade

Chegará o dia, chegará
a tarde, chegará o suspiro
merecido de um grito;
chegará quem sabe, a fuga
a vaidade crua da morte,

O esplendor azul e farto
de asseadas mulheres nuas
timbre calmo, porém frívolo
de gozo e riso,
os pinheirais de junho
passeando entre os dedos

do sol vivo e luminoso;
passeando entre os melros
transbordantes de penas
e então morreremos
pois esta é a métrica
fatal do tempo e da vida

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Pequena oração de um condenado

O Senhor escondeu de mim a sua face
E hoje só vejo monstros, escuras servas, ladrões.
Testou minha fé colocando à minha frente príncipes e muros.
Fez do meu caminhar, o caminhar dos sedentos
A transgressão marcada como um sinal em minha testa.
Escuta à mim, Senhor dos Exércitos, livra-me do passarinheiro
Da armadilha dos beberrões, das impetuosas lascívias.
Escuta à mim, que estou cansado de trilhas e pedregulhos.
O espírito é imenso, Senhor, mas a carne é finita.
Conceda-me o dom da súplica,
Faça o ocidente tremer, e o oriente fraquejar,
Abala as estruturas do meu corpo
Vosso templo arruinado.

domingo, dezembro 16, 2007

As flechas de Ulisses

Súbitos aviões riscam o céu de anil.
Imensos pássaros rasgando o espaço

como se fossem flechas lançadas por Ulisses,
o guerreiro de Ítaca. Tenho medo deles,

destes seres quase masculinos, alongados,
apontando sempre para frente.

Parecem brechas pintadas na interrupção
diminuta de uma nuvem. Riscam o céu,

riscam o vidro da janela. Deixam ao longe
um sinal quase invisível de imortalidade.

Voltando de Poços de Caldas

Um enorme vagão me atravessa
Na serra cortada de trilhos
Nas encostas íngremes da montanha.
Terras vermelhas,
Vermelho sangue entre a grama:
Uma enorme noite me atropela.


(uma bem antiguinha....)

Saber sempre

No aparelho do canto/pinta a dor e seu encanto
Na curva vil da rua/espalha-se uma ferida crua
No vazio do nosso espanto/fica o homem e seu rebento
Na escura ceia de cada dia/sobra o pé a passo lento.

No canto/espanto
Na rua/a dor nua
Na face/o disfarce
No dia/a falsa alegria.

Na candura de cada dia/espalha-se o resto só da ceia
No escuro vazio do canto/morre calado seu rebento
No dia vil daquela rua/sobra a dor tangente e crua
Na ceia pintada de preto/caminha o homem a passo lento.

(uma das antiguinhas....)

terça-feira, dezembro 04, 2007

Os pêndulos e os navios

Em certos aspectos todas as coisas são Unas
Se olharmos com o olhar certo
Com a vista aguda de uma janela elevada
À quintessencia dos pêndulos.

É permitido sonhar com coisas vãs
Platônicas, edipianas, traves abertas
E primitivas, delirantes em suas formas:
É permitido que as mobílias flutuem

Nesta imensa casa que somos nós todos
E que o ébano se misture com a laca,
Que o estanho se congregue a prata
E que os enganos não passem de
Mergulhos, aduelas, paralelos
Deixados para trás entre as águas.

Em certos aspectos todas as sensações são cruas
Delírios, negras paredes onde lívidos
Corpos se tornam mágicos e vastos.

Em certos momentos, somos navios
Acima da espuma e em queda
Para o profundo mar onde numerosas
Ondas, liquidas luas, emprumadas jóias
Estão à nossa espera numa eterna vazante.

Exercício 3 - A noite azul e plena

Aparentemente a cena é plana:
murmúrios e servos,
hunos e trincheiras.

O forte é avisado, destacado
no meio da noite azul e plena.
Somos gente, peculiares pontos.

No interior a explosão
lamento de nomes, combates
e não há lugar tão secreto.

Em direção ao front, rios
de ferro cruzam a carne:
entre lágrimas não há valia.

Resta a mim mesmo,
soldado à beira da fuga.

Exercício 2 - Folhas, abelhas, ferrões

Folhas compostas são frutos
Dividindo algumas faixas
Que cismam em se perder
Ao longo dos trilhos.

Permanece uma mancha
Pintura esbranquiçada e azul
Lembrando bagas feitas
Abrangendo os sertões.

Algumas folhas lembram
Abelhas, ferrões e estames
Dispostas em cantos
Mais ou menos cismados.

A astúcia dos caules
Simulam venenos outros
Irrompendo pelo chão
Cujas flores morrem.

Exercício 1 - As coisas


Primeiro as coisas
Precisam de quietude
Para que floresça nelas
A total amplitude

Depois o parto natural
As palmas e oliveiras
Aparecendo entre os dedos
De profanas freiras

As pinturas dos costumes
Impressionam nosso medo
Cortesãs ou madonas
Amam sempre cedo

E acordam os meninos
ao badalar do beijo
que mascaram o desejo
disparam milhares de sinos.