quinta-feira, agosto 18, 2011

Suspenso


Um claro no horizonte
Suspenso
Como um pássaro brilhante
Gigantesco
A pousar suavemente
No vento
Entre os mistérios
Das coisas que virão-a-ser
Deus.

NOTURNO

Tenho medo de escuro.
De dias sem sol,
Água empoçada.
Dietas sem doces.

Tenho medo de cobras.
Palitos na calçada
Indo sem rumo,
Levados pela vida.

Tenho medo de sons
Noturnos, longínquos
Cachorros latindo
No meio da noite.

Tenho medo de ser
Uma pequena linha
Perdida no grande e imenso
Dia da existência.

Dissertação sobre o poema II

Não olho o poema como uma mulher grávida. Antes, como um rastro de água (mineral). Antes, como um longo encismado de pedras, entulhos, águas-vivas. Antes, como uma serpente pintada de sol e fogo. Como um grito redondo ou um fixo olhar de logro. Não vejo o poema como germinado sob a água do rio, da ilha além do rio, da escultura. Construção de forma só exegese e gênese total, que se serve de olhos e bocas para vencer o mal. Vida e sopro, brisa e pús de vida, chaga de vida, vida dimensão e luz cruel de vida pasto, vida, força, vida. Não olho o poema. Antes, como o poema, depuro o poema, agrido o poema.

A mariposa no túnel

O título de todo campo é a diagramação da palavra. Parece simples ser um homem, todo luz e ruas. Parece simples ejacular sons, disparar as mãos pelas portas e janelas discretamente destruídas pelos dias. Nada é simples, apenas parece. Nada permanece, apenas endurece. O coração do homem não é simples, nem som de pássaros. Antes, é um túnel sombrio, por onde, às vezes, passa uma mariposa à procura de luz.

A estrada e a linha do trem

Vamos voltar pra casa, disse ela.
Talvez, ele respondeu, olhando a estrada azul
Que se via além do parabrisas do carro.
Antes que seja tarde, ela disse, arrumando
A saia cheia de virtudes e inexpugnável.
Ele ficou em silêncio, escudado pelos metros
Que passavam sob os pneus do carro novo.
Estamos vivendo maus tempos, pensou ele,
O gado está magro, o capim raro e seco,
A linha do trem tem uma coisa meio que
Rançoza, de filminho trash americano.
Uma retidão impertinente, por onde se vê
Os alpendres e os terrenos plantados de
Qualquer maneira, uma coisa jogada e tal.
Acho que estamos doentes, ela disse,
E ele concordou, distraído, desviando-se
Do viralata que cruzou a estrada subitamente.
Já eram umas onze-horas e o trem das onze
Passou, sorrateiro, freneticamente, no meio
Da poeira e do tempo, rasgando a linha.
Os dormentes de peroba jogavam no ar
Nos pastos e nas pessoas um ar fétido
De podridão, alavancas, sem dar trégua
Sequer deixando que se note as andorinhas
Tardias de setembro brincando no alto do céu.
Acho que estamos doentes, ela diz, de novo,
Quase sem sentir o vento e o assombro
E ninguém nota o maquinista do trem
Em seu uniforme de gala, nem surpreso
Nem muito atento, mas sem dúvida,
Sorrindo e mostrando seu dente de ouro.

Breve retrato de um grupo de jovens

Foi na véspera que vi as pessoas na encruzilhada
Umas com cerveja na mão, outras rindo em crescente
O dia parecendo um uniforme de cores e luzes
E através das cerquinhas um prenuncio de noite em êxtase
Uma porção de tempo aguilhoado pelo espanto
O medo e aflição da vida bem distantes e incrédulos.

Avançavam a pé no rastro da manhã esquecida
Um inevitável desenho entre as arvores e as clareiras
Um fogo de vida abraçando as guirlandas
Dos risos e dos pés, as bicicletas avançando
Entre os descalços, findando a rua, as fileiras
Entre o pó da manhã e as aléias freqüentes.

Um farrapo de papel mostrando a cena ao mundo
Um instante perpétuo e fugaz, abas e estrelas
Risos e cervejas, pés e flores, um tumulto de vida
Materializando o pouco que temos e que chamamos
De Existir, pobres que somos, nós os mortais
E inquietos donos dos risos e das dores.