quarta-feira, março 28, 2012

TIRAS DE SAUDADES

Paranapiacaba - Santo André - São Paulo
Foto de Mauro Pereira da Silva

Eu gostava de rocambole,
A glória de comer um escondido
Me deliciando com a massa macia
Recurva, que se derretia na boca.
Havia sinais de viagens, romances, álbuns
Meu selos cuidadosamente guardados
E alguma coisa dentro, uma esperança do dia seguinte.

Florestas e heróis, bala sete belo, aquários dos amigos
Dimensões enormes dos dias, que eram sempre ensolarados.
Todos acreditavam em Django, Sartana, no velho cinema da praça.
Das profundezas saem as malas feitas de tiras de saudades,
Em ritos, eu sei, que só eram mágicos dentro de mim e do sol.
Mas eu gosto tanto.

domingo, março 25, 2012

COM O PENSAMENTO EM ANA CRISTINA CÉSAR, POETA MAIOR

Interior de Santa Catarina
Foto de Mauro Pereira da Silva

Soube que ela havia se suicidado e sequer deixara uma carta.
Sentí muito. Seus poemas eram como um soco no estômago.
Desfiavam linha por linha os enigmas desse eterno esconderijo chamado homem.
E fiquei pensando:
como pode um poeta cair no lugar comum dos idiotas?

(A vida deve ser desmembrada como uma frase
e reconstruida
unindo-se palmo a palmo linhas que
apesar de tênues
fixam no âmago a necessidade de viver
e de não querer chegar ao fim
sem a precisa consciência do meio).

Que a paz esteja contigo, Ana.

O QUE É COLORIDO

Florianópolis - Santa Catarina
Foto de Mauro Pereira da Silva

Dura apenas um momento, o mágico toque dos teus dedos. No verão, aguardo uma mensagem tua trazida por garrafas recolhidas por bêbados e marinheiros. Queima dentro de mim a tua imagem, o teu desenho etéreo, fantasmagórico. A porta do quarto se estilhaça e embrulhos soltam-se dos lençóis: sinais convencionais já não resolvem a tua falta. Janelas fecham-se, trancam-se calhas de madeiras. Já é hora de perceber, amada, o desfazer-se da loucura que é tua ausência. O que é colorido torna-se preto-e-branco, sem sentido, sem sentido.

sábado, março 24, 2012

IMPRESSÃO

Florianópolis - Santa Catarina
Foto de Mauro Pereira da Silva

Era um homem.
O rosto no portão branco da casa era um
Pergaminho,
Caminho apaixonado de letras e poemas.
Uma pintura.
Onde o tempo escrevia e apagava.

Dentro de si as borboletas gritavam como pássaros

AS ANTIGAS PORTAS

Ponta Grossa - Paraná
Foto de Mauro Pereira da Silva

Trazem a comida, silenciosamente.
O burburinho das risadas impregnam o ar,
Tirando das toalhas o vincos de medo.
Toda a rua se enche de fogo, pés desenhando
Pontos de exclamações e fugas.

Não importa o mar.
Barricadas na planície de pessoas
Erguiam ondas letais, maquinas espantosas
Que convertem as pessoas e seus sonhos.

Eles comem a comida. O Deus que perseguem não está
Onde procuram.
Não está na praia, nem no campo, nem no céu.
Tem apenas movimento, esses homens em sua busca.

Bebem e comem, porque amanhã morrerão, pensam.
E inventam um Deus, inventam uma fogueira,
Inventam um tecido espantoso e complexo.
Mas Deus está morto, não há Deus,

E o campo se fecha porque não tem luz nem lanterna
Que os ilumine.

NA FRONTEIRA


Por dentro um silêncio de igreja vazia,
Tarde na roça, perto do rio e sua folhagem.
Um inverno que começa e seu silêncio,
Uma safra de trigo completamente madura
Um silêncio amarelo de flores e ondulações.

Por dentro um silêncio de pano roxo
Uma coisa diferente de nossa chuva
O solecismo perdido nos rincões da palavra
O silêncio da palavra. O silêncio da cidade,
Que é apenas uma estação de mim mesmo.

Pedaços de silêncio desenhando um pôr-de-sol
Caindo sobre a estrada cheia de carros e gritos
Vento fresco, um quadro escancarado da alma.
Um silêncio que se quebra e se pronuncia
Melhor do que eu, melhor do que o que sou.