quarta-feira, setembro 04, 2013

ESTRANHA E CRUEL VIAGEM



     Foto de Mauro Pereira da Silva - Planalto (SP), entre Andradina e Planalto, pela antiga estrada.


Olha, sei que somos homens de boa vontade.
Sei que somos companheiros nesta viagem
Estranha e cruel, que é a vida.
Sei que levamos golpes, manchamos a terra,
Plantamos, sofremos, choramos,
Mas raivosamente insistimos em ser felizes,
Em amar uma mulher, como se ama uma flor
Em meio a cardos e ferrões.

Olha, companheiro, sei que resistimos
Mais do que somos capazes.
(somos homens de boa fé, eu sei)
Mas na sangrenta batalha que travamos
- Entre a existência e a morte -,
Existe um ponto, que ainda não sei,

Ainda não detectei, cego que sou
Que nos golpeia e nos inflama
E nos resgata, imortais
Em um pequeno e insignificante
momento
Quando somos deuses
ou imaginamos sermos.

ÁGUA COMO FLOR NA CHUVA



                        Foto de Mauro Pereira da Silva- Gaspar (SC), campos de arroz.


Outro dia de chuva.
Alguns pessoas no barco, descendo
Para além do papel desenhado.
Exausto, o dia passa, indolente.

Existe uma linha, afogada
Entre espessa ferocidade,
Como um cavalo a galope,
Descendo a ribanceira
(chocante é a figura,
Água como flor na chuva)

Girando desgovernado
Manchando o vermelhão
Montando uma outra realidade
Diversa desta
Que registrei, distante.

Cismo que existem outros mundos.

SETE DIAS DE CAMINHADA



                              Foto de Mauro Pereira da Silva - Holambra (SP), Setembro/13


Durante sete dias andei descalço
Longe de mim e dos esboços que antes vira
Rumo ao imenso vagão, pálpebras sublinhando
O horizonte cortado de fumaça.

Durante este tempo desenhei em mim mesmo
Uma veste, caverna poderosa onde poderia me esconder
Dos dias e dos homens.
Carreguei cargas além de minhas forças
E minha única afirmação era: ainda existo
Ainda caminho, ainda olho, itinerante e solitário.

A fome não era nada, ramagens me acordavam
Exalando cheiros quase que líquidos.
Do outro lado de mim, um rio, uma grande história.

Um rígido silencio jogado no horizonte.
Murmúrio, apenas.
O tempo desperto e na pele.
Uma mesa, meu peito,
Uma última história fechando a janela.

PEÇO SÓ O IMPOSSÍVEL



                              Foto by Mauro Pereira da Silva - Estiva Gerti (SP) - Setembro/13

Peço só o impossível, um barco em Ilha Solteira
Os sapatos pesados de barro, um momento entre a correnteza,
O pão na frigideira, uma oração erguendo-se como um poste
Entre as ruas do meu antigo bairro.
Em troca, peço apenas uma nesga de céu
Do céu de Andradina, de quando o sol bate nas nuvens
E fica aquela cor rasgada, avermelhada, pros lados
Do Mato Grosso.
Em troca deste coração velho de um homem velho,
- Apesar da pouca idade, com seus muros e suas mãos,
Sua pisadas e a simplicidade do coração -,
peço o que já antes pedira, um espaço de água,
Pequenos recipientes emergindo entre os barcos,
As amuradas queimadas e esquecidas,
Em minha antiga rua, numa direção que hoje já não vejo.