Foto by J. Pedro Martins - Portugal - http://estoriasaometro.blogspot.com
Saiba que ainda vejo luzes,
Porteiras abertas,
Cavalos pastando além da linha
Onde eu aguardava o trem do meio-dia.
Ainda vejo ruas, vermelhas ruas, de lama e sol
As mães levando os filhos pela mão,
A escolinha de madeira além do bosque,
Onde eu buscava ninhos de passarinhos.
Saiba que ainda ouço trovões, vejo raios,
Sinto o cheiro do dia amanhecendo,
O leiteiro e seu cavalo com sininhos,
O homem passando de bicicleta apregoando
Conserto de panelas e de guarda-chuvas.
Ainda ouço, incrivelmente, as cantigas noturnas,
De namoro no escuro, os jogos de amarelinha,
De bolinha de gude, peão, a estrada trêmula de calor
Se perdendo pros lados do Frigorífico Mouran.
Saiba que ainda sinto o cheiro da grama cortada.
Do café sendo feito.
Ainda ouço os gritos de minha mãe me chamando para o almoço.
E estes ruídos, sons e cores, compõem o que ainda sou,
Mesmo distante e envernizado pelo asfalto urbano
De outra cidade e de outro tempo,
de outras pessoas.