quarta-feira, agosto 06, 2008

Poema do amor iniciado



Há um momento no dia
Sem dúvidas, sem nuvens
Um silêncio mortal e nu
Da cor de gelo.

Há um momento no dia
Que minha alma foge
E se desconsola,
E se parte, em fractais.

Mas amada, teu cheiro
Mesmo assim à distância
Marca o dia, marca o tom
Da tarde avermelhada.

E neste momento, amada
Fronteiras se fragmentam
E assistem desnorteadas
Os gemidos ideais e sutis.

Há um momento no dia
Que raios misteriosos
Mesclam as cores da amada
E as lançam nos campos.

Há um instante qualquer
Que não me falta fôlego
Nem toque, nem nada belo.
E sou imortal.

segunda-feira, agosto 04, 2008

Tantos anos

(Foto de Carlos Lopes Franco - Lisboa - Portugal)www.olhares.com/cfranco

Estacionada, a vida insone no quintal desarrumado.
Roupas qüarando, a vibração de um mundo verdadeiro
de roupas emboloradas e céu cinzento.
Há odores de pessoas trabalhando
um sorriso desdentado de um velho
e eu, que me esqueço às vezes de ser razoável,
preciso urgentemente de uma janela.
Nomes de mortos já na agenda.Tantos anos.
Cães perdidos numa rua mais perdida ainda.
Uma moça feia se manifesta entre as beladonas,
Admiráveis Mundos Novos,
gritos calados numa tarde de 34 graus.
O prédio tremula sob o calor, suas grades desmaiadas
me ferem a vista. Mas não me calo,
deixo impresso no horizonte meu desabafo.

Meu testemunho, o poema

(foto de Pereira lopes - Vila Nova de Gaia - Portugal)www.olhares.com/pereiralopes


Neste exato momento,
o sangue dissipa olmos,
pedaços de árvores
na mata escura que é o meu peito.
Folhas servem-se do chão,
arredias bolas de vento
rodopiando
entre malmequeres.
No caminho
atribulado da tarde,
abatidas princesas
aviltam os olhos tentando
adivinhar qual é o rio
que me leva.
Meu testemunho
é inicio de poema,
saliência mais que perfeita
de outubros.
(Entendo que morro
na floresta baixa
cercado por prisões,
entre ruínas e crianças
e não há princesa
nem engano que me salve
de mim mesmo,
eu que não sou belo
nem eterno).

Primavera de 1984

(Foto de David Pimenta - Coimbra - Portugal)www.olhares.com/davipimenta

Naquela foto
eu estava parado,
perplexo
pela claridade do dia
quando o homem
de bigodes
apertou o gatilho
da máquina negra,
antiga.
Por um momento hesitei:
pisquei os olhos,
gaguejei,
não sabia
onde pôr as mãos
e quis ir embora,
além do tempo.
Por isso estou alí,
atarantado,
vesgo,
olhando um ponto
luminoso
que me violentou
e acabou tirando de mim
aquela espera
de um sorriso,
de um raio imenso
e duradouro
de sol.

O homem e o parto

(Foto de Nelson Ferreira - Vila Nova de Gaia - Portugal)www.olhares.com/AlexLage

A esfera
transparente
quebrada e jogada
em qualquer diagrama
tem o nome de vida.
A vida
está além da noite
em vez de estar
além do homem.
A realidade
dá-lhe horríveis
dores de parto.
Ela é narcisista e total.
Escada onde
ás vezes sinto falta
de um certo
degrau.

domingo, agosto 03, 2008

Rodovia Marechal Rondon

(Foto de Benjamim Vieira - São Miguel - Açores - Portugal)
www.olhares.com/amormaria


Através da SP-310
vejo campos
vermelhos de terra,
preparada terra
para o plantio,
algumas reses
brancas,
certas estradas
vicinais
levando caminhões
de bóias-frias.

A poeira faz nódulos
nas orelhas,
redemoinhos
céleres nos cabelos
e alguns sinais:
Deus está presente,
Deus está contente.
Só não escreve torto mais.


(Do livro "Soldado à beira da fuga", Editora Alaude, 2005)

http://www.livrariaphylos.com.br/

URBE

(Foto de Iva Silva - Porto - Portugal)www.olhares.com/ivapatricia


O fim daquela estrada
é logo alí
entre os seichos,
as coloquiais esferas
da tarde.

Jamais haverá
um minuto tão belo
e tão fugaz,
quanto aquele
que ameaça minha urbe,
minhas muralhas incertas
forçadas
pelas armas dos vândalos.

Não haverá
trombetas nem soldados.
O fim daquela estrada
é logo alí
no meu começo
aprisionado
pelas folhas.