domingo, outubro 28, 2007

As cadeiras sob o Flamboyant


Havia uma luz parecida com um toco de cigarro,
O vazio e o leve tamborilar dos pássaros,
Nenhum som, nenhum gesto noturno
Apenas um prisioneiro nos olhos do tempo,
A antiga casa verde de madeira
Que te recebeu quando ainda não vinhas.

Uma velha paineira sob os deuses
(pintada como uma velha abelhuda
de plantão no quintal extenso),
dividindo o céu com o flamboyant
esteio de gerações de moleques
correndo entre suas bagas
na expectativa da primavera
saqueando os quintais alheios.

Havia uma casa, dois carros descendo
um homem à frente
dando berros urgentes na buzina,
A camisa branca desabotoada
Descendo a íngreme ladeira
Na noite inevitável de sábado
Quando o clube tocava lembranças
E fazia uma passagem entre a casa o tempo.

Construindo uma força dentro de mim
Construindo algo que eu não entendia
Mostrando que porta ainda existe, a clareira
O rosto desconhecido
Semelhante a este que ainda uso
e cada vez menos, entendo.

Longe, a cara do homem anônimo.
Nosso vizinho, que morava depois da curva
Espécie de calma furiosa
Quando não bebia o suficiente
E chegava em casa de quatro, carregado.

Todo sábado tinha festa perto do pontilhão cinzento
Deslocado no ar e um tanto pequeno,
Na cidade crua como carne na agulha
Mas que nos permitia ver o cartaz do cineminha
deixava ver que era tarde e os motivos eram outros
que a noite era imensa, na pequena faixa.

Entre o ar deslocado da calçada
Onde as famílias conversavam
Sob a luz de candeeiros.
Anos atrás, num circulo mágico de cadeiras
e esquecimento onde o rosto já não mais
se insinua.

O que tem sido


Em meia hora a caminhada se desfaz em somas
Lírios, cintilações da manhã
Água distante de um rio outrora dividido.

De forma invisível
- Quase como uma ausência
Grandes massas ornam de luz

O que tem sido
Caminho, diversas ruas
a nossa posse

O que tem sido
Periélio, contrapeso, amontoados
Colocando em evidência

Dois ou mais encantos:
Segredo
Engano
Cinco minutos

De um tempo que ainda
Não se fez distante
Folião, apenas

De uma confusa direção
De nenhuma combinação
Humana.

domingo, outubro 07, 2007

Anotações de um caipira - parte 1

Parte 1. A Lembrança como trevo

No inicio era o verbo
Um borrão inédito pintado nos caules das arvores.
No inicio era o nome,
Mas o nome ainda não existia além do tempo,
Ainda não deflagrava gritos, correrias, a longa noite
Se esvaindo entre os dedos,
O apito do trem varando a escuridão dos trilhos.

No inicio era o verbo
Uma criança natimorta, uma ruazinha tranquila e mal delineada
Na pupila do homem,
Um mal estar, a tranqüila roça de rododendros
Infestando-se pelo calos do roceiro,
(A mão inerte, extática no ar,
Apontando uma direção desconstruida)

No inicio era o verbo
Um motor dando fortes estalos,
A vida emperrada pelo cortejo
Construção de tijolos vermelhos ainda tremeluzindo
Nos olhos da casa, numerosos amigos
Acenando ao longe, indistintos já, na distância
Da vida que se esvai e se deteriora.

No inicio era o verbo
Semi-estrangeiro, alguém libertado das coisas
Enigmas que nos compõe e nos altera
Das cinzas e das enormes latas rasas onde somos guardados
Pelo senhor do mundo, pequenas esferas que pulsam
Pulsam e depois repousam
Quando nos chegam os dias de fome.

No inicio, sequer era o Verbo.
Porque o inicio nem são dias
Nem infância são, sequer vislumbram horas
Senão um olho humano e fixo caminhando tropegamente
Pelas calçadas, onde El-Rei domina as cidades
Do sul, do norte, os meio-termos e o que nos sobra.

Se fosse verbo seria letra,
Seria presente, passado, a eterna poeira que ainda nos envolve.
Seria represa, dom guardado, pequenos pedaços que se foram
Fotografia ainda não revelada,
Não mais que homens correndo ao lado do trilho
Tropeçando em pedras
Numa busca desigual por sua própria imagem
já perdida num antigo espelho.