sexta-feira, abril 27, 2007

CAFÉ TORRADO

No dia de hoje um rio esgotou-se em riscos
Do alto céu de abril, cântaros desmiolados
Fincados no solo roxo e frugal.

Tópicos foram chamuscados
Telhados vermelhos destacando-se
Roseiras colhidas nas orlas dos trigais.

Parcelas correm, vagas brancas atadas
A cavaleiros que gritam nas soleiras das portas
Revolvendo bandeiras como desculpas.

Café torrado, missas de antigamente.
Janelinhas onde olhei há muito tempo
Reposteiros sem brilho e laranjais.

terça-feira, abril 17, 2007

O rio que segue

A grave presença dos corpos.
Só reafirmo o que se sabe,
O valor da terra enriquece os portos
Sátiros pendurados pelos postigos
Prestigio de ser livre e perigoso.
Encerra o versar da terra e suas
Ordenações.

As cores pretéritas são portas obscuras
Decorrentes de rasas pontes de madeira
O rio que segue se ajusta ao ponto morto
Da rigidez e dos remotos antiquários.

Regimes de contas ouve-se na noite.
Onde as pontes (sempre elas)
São desestruturadas, assuntadas, dobradas,
Um quarto de hora que já se finda.

A noite caindo, pesada como cimento.

In natura

Conchas fazem lastro no mar.
Voltar à infância é adentrar
Uma velha casa, visitar seus
Cômodos, olhar a rua areiosa
Vendo os tremores do sol.

É real e consagrado.

Preciosas letras parecem pedras
Ainda in natura, breves contos
Inutilidades guardadas em gavetas
Arquivos de outros tantos tempos.

A dor sertaneja é história antiga
Casa velha, velhos quartos
Janelas estilosas onde se põem
Algumas lacunas.

Somos todos atores.

terça-feira, abril 03, 2007

Na tela

Não quero só o que preciso.
Quero o que eu quero
Não mais que isso.
Quero a sutil presença do fogo
O molhado da vida sem entorno
Nada menos que um minuto,
Mas que este instante seja só
A vida enfeitada e sem luto.

domingo, abril 01, 2007

O assalto

Ela preparou a comida como diariamente fazia: devagar, minuciosamente, com carinho, como em todo dia. Lembrou-se que ele não gostava de determinados temperos como salsa e cebola e quando eram casados ele vivia brigando porque ela carregava um pouco nestes temperos. Fez nesta noite uma sopa caprichada, como ele gostava, de mandioca, com caldo grosso e bem cheirosa. Colocou numa panelinha e amarrou um guardanapo em volta, de forma a que ele pudesse colocar com jeito no banco dianteiro do carro. Lembrou-se de colocar o veneno, caprichou na dose porque não queria falha. Ele tinha de morrer. E a sua nova mulher também se chegasse a tomar da sopa. Ela não suportava a idéia de que ele fosse ex. Jamais admitiria a separação. Quando ele parou o carro, ela viu que parecia mais moço, estava mais elegante, o sorriso mais iluminado. Talvez o fato da outra ter a metade de sua idade ajudasse nesse item. Ele pegou a sopa, agradeceu, pediu desculpas pelo trabalho dela. Ela agradeceu, não era nada, uma sopinha simples...Ele estava sozinho em casa porque a outra, a jovenzinha cheia de curvas, havia viajado a trabalho. Ele ligara perguntando pelo filho e conversa vai, conversa vem, ela sugeriu a sopa, ele não precisava ir a restaurante, podia passar por lá e levar uma sopa para comer em casa. Foi quando ele abriu a porta do carro que os dois assaltantes chegaram, vindo do nada. Não perceberam a chegada dos dois rapazinhos que não deviam ter mais de dezessete anos. Gritaram “sai do carro, otário, sai do carro!” ele saiu balbuciando algumas palavras desconexas, apavorado com o revolver em sua cabeça. A vida não valia nada, a vida era uma pequena flâmula que poderia ser rasgada ali, naquela hora, por um garoto armado e deseperado. Ele deixou a panelinha da sopa em cima do banco, e por sorte, a carteira estava no bolso e os garotos não a pediram. Entraram no carro e saíram cantando pneu. Ainda ouviram a voz da mulher que estava parada, extática, no portão da casa, gritando “deixa a sopa, deixa a sopa!” e acharam estranho aquilo ser gritado num assalto. Fugiram.

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A panelinha de sopa foi colocada sobre a mesa. O garoto sorrindo, falou para a mãe que aquele servicinho tinha rendido comida, além do dinheiro. A sopa tinha um cheiro delicioso. Três pratos foram colocados sobre a mesa. Até uma Coca-Cola foi aberta.